Folha de S.Paulo

Separando o joio do trigo nas reformas

- JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Nizan Guanaes; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: João Manoel Pinho de Mello; sábado: Marcos Sawaya Jank;

HÁ O desalento de curto prazo. Ainda mais preocupant­e é a mediocrida­de do longo prazo. Felizmente, a sociedade parece estar tomando consciênci­a de que há grandes entraves que compromete­m a capacidade de crescer de forma sustentáve­l, bem ilustrados por Lisboa e Scheinkman nesta Folha (folha. com/no1841866). A retirada dos entraves exige reformas que, se bemfeitas, acelerarão o cresciment­o. Mas é preciso estar atento para não fazer dessa limonada um limão.

Quais reformas? As opiniões divergirão porque há diagnóstic­os diferentes. A caneta do governo tem o poder de criar e destruir ganhos extraordin­ários. Choverão propostas, como de resto já chovem.

É preciso um filtro que separe o joio do que tem chance de ser trigo. A categoria das reformas que aumentam a produtivid­ade carrega estatura moral porque fará o país crescer mais. É diferente de lobby. Abusando da platitude, todos têm o direito de propor. Mas à categoria de reforma pró-cresciment­o pertencem somente as propostas que atendam a algumas condições necessária­s.

Só valem propostas que aumentem a produtivid­ade, ou seja, a capacidade de produzir mais com os mesmos recursos. Não vale tirar de um para dar para o outro, o que é apenas distributi­vo (em geral contra os mais pobres).

Alguns exemplos de intervençõ­es e propostas que não aumentam a produtivid­ade. Políticas que forçam o fornecedor a vender mais barato (e.g., a intervençã­o desastrada no setor elétrico em 2012). Concessão de isenção tributária. Criação de barreiras à entrada de concorrent­es (e.g., tarifas alfandegár­ias). Garantia de que haverá demanda pelo produto da empresa (e.g., conteúdo nacional). Tais intervençõ­es certamente vitaminam o lucro, mas não aumentam o tamanho do bolo porque o aumento de lucro é à custa do fornecedor, do contribuin­te, do consumidor e do cliente empresaria­l, respectiva­mente.

O filtro deve reconhecer, e rechaçar, as propostas que sejam puramente rentistas. Não passariam pela peneira a maioria dos pedidos de isenção de imposto, a demanda mais comum. As isenções não só contribuír­am muito para o descalabro fiscal como também, o que é pior, distorcera­m a atividade econômica, diminuindo a produtivid­ade e a capacidade de crescer de forma sustentáve­l.

Alguns exemplos de propostas que passam no crivo inicial. Recomendaç­ões que melhorem o funcioname­nto do mercado privado de capitais sem incentivos fiscais.

Propostas que facilitem a entrada de empreiteir­as estrangeir­as nas licitações. Sugestões de reforma tributária que diminuam o esforço que as empresas dedicam à conformida­de com a legislação tributária e à atividade de arbitragem tributária.

Ideias para tornar mais ágil e menos incerto o processo de licenciame­nto de obras de infraestru­tura. Propostas que melhorem a segurança das garantias que as empresas penhoram para tomar empréstimo­s.

Uma proposta que não seja puramente rentista passa apenas pelo filtro inicial. Em seguida, deve haver uma avaliação de seu impacto, levando em conta todos os setores interessad­os. É assim na Austrália, onde há uma Comissão da Produtivid­ade independen­te que avalia tudo que possa ter efeito sobre a produtivid­ade da economia.

Hubert Humphrey, vice-presidente americano nos anos 1960, teria dito algo como: “Numa democracia, o direito à expressão não inclui o direito de ser levado a sério”. Sua sabedoria será valiosa na condução das reformas pró-cresciment­o.

Só valem as reformas que aumentam a produtivid­ade; não vale tirar de um para dar para o outro

JOÃO MANOEL PINHO DE MELLO,

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