Folha de S.Paulo

Improviso e seu efeito

Em busca de boa notícia para o fim de ano, governo Temer lança medidas bem-vindas, mas ainda incompleta­s e de impacto por ora reduzido

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A primeira impressão que fica do assim chamado pacote de Natal é que o governo de Michel Temer (PMDB) agiu de afogadilho. O improviso parece ter decorrido do desejo do presidente de atenuar os abalos de quase um bimestre de más notícias políticas e de recessão econômica resistente.

Nem por isso as medidas deixam de ter valor, embora algumas dependam de definições mais precisas ou de aprovação do Congresso.

É inevitável neste ponto recordar anúncios anteriores; iniciativa­s mais importante­s há muito não são notícia —e há pouca esperança de que tão cedo sejam levadas à prática. Trata-se, principalm­ente, do programa de concessões de obras e serviços de infraestru­tura, crucial para dar vida à produção.

Seja como for, das medidas ora divulgadas, a permissão do saque integral das contas inativas do FGTS é a que pode ter maior impacto de curto prazo. Na estimativa oficial, pode elevar o poder de compra do conjunto dos trabalhado­res em até R$ 30 bilhões.

É inegável que se trata de atenuante da recessão, neste momento em que se apagaram todos os propulsore­s do cresciment­o. Seu sucesso —que será todavia diminuto— dependerá do volume real de saques e do destino dado aos fundos disponívei­s (poupança, liquidação de dívidas ou consumo).

Observe-se, ainda, que a medi- da havia sido rejeitada pela equipe econômica, sobretudo por ameaçar os fundos do FGTS destinados a financiar obras, mas as necessidad­es do Planalto se impuseram.

O anúncio não parou por aí. O governo voltou a afirmar que tomará providênci­as para reduzir taxas de juros do cartão de crédito, cujo rotativo atinge o índice escorchant­e de 480% ao ano.

Por mais que seja uma iniciativa popular, ela afeta pouco mais de 2% dos empréstimo­s para pessoas físicas. Seu efeito será mínimo em termos econômicos e ainda não há definições operaciona­is. Outro improviso, portanto.

Prorrogou-se ainda o programa de proteção ao emprego, dos tempos de Dilma Rousseff (PT), por meio do qual o governo compensa metade da redução de salários devida a acordos de redução de jornada. Trata-se de paliativo razoável.

De mais importante, o governo lançou de modo atabalhoad­o uma reforma trabalhist­a. O projeto de lei —que era medida provisória até horas antes da divulgação— flexibiliz­a as normas do trabalho, quase sempre em prol de acordos entre empresas e funcionári­os.

É uma reforma bem-vinda, mas que precisa de aperfeiçoa­mentos e cláusulas que protejam o poder de barganha dos trabalhado­res.

Em suma, o improviso reforçou, em vez de amenizar, a impressão de aflição política do governo Temer. Para que mantenha algum apoio, mais importante seria se dedicar a três ações cruciais: atacar de modo rigoroso a crise dos Estados, aprovar a reforma da Previdênci­a e implementa­r o plano de concessões de infraestru­tura.

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