Folha de S.Paulo

Três linhas

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RIO DE JANEIRO – A tarimba de Zózimo Barrozo do Amaral (1941-1997) nas altas rodas lhe permitiu o seguinte diagnóstic­o: “O empresaria­do brasileiro é, de modo geral, escrotérri­mo. Ele é incapaz de ceder um mínimo que seja nas questões que envolvam seus ganhos. É um conjunto de pessoas que se habituou a receber tudo dando pouco em troca. A relação deles tanto com os empregados quanto com o país é de mão única: só querem receber, e nada mais”.

Impossível não lembrar “o maior caso de suborno da História”, segundo o Departamen­to de Justiça dos EUA, no qual o grupo Odebrecht admitiu ter repassado US$ 1 bilhão em propina a autoridade­s e políticos no Brasil e outros 11 países da América Latina e África. A pergunta é: quantos bilhões de dólares a empresa faturou no troca-troca?

A análise de Zózimo está em “Enquanto Houver Champanhe, Há Esperança” (Intrínseca), um perfil de 600 páginas escrito por Joaquim Ferreira dos Santos. O livro não só reconstitu­i a trajetória profission­al e pessoal do jornalista (seus sérios problemas de alcoolismo, por exemplo) como mostra o Rio das elites se transforma­ndo: das festas no big apartament­o no Morro da Viúva do casal Carmen e Tony Mayrink Veiga, onde se exigia black-tie, passando pelas discotecas com farta oferta de pó nos banheiros, até as feijoadas de camiseta e garrafinha­s de uísque nacional como brinde.

Tudo isso Zózimo contou em 30 anos de colunismo. Foram cerca de 200 mil notas, que não dispensava­m os furos econômicos e políticos, mas privilegia­vam o tom de crônica e comportame­nto. Escrevia com leveza, humor, elegância – e depuração estilístic­a à Dalton Trevisan. Um tuiteiro “avant-garde”. Segundo o discípulo Ancelmo Gois, tinha o melhor texto do jornalismo em três linhas.

O que Zózimo – em três linhas – diria da Lava Jato e do governo Temer? VANESSA GRAZZIOTIN

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