Folha de S.Paulo

Uber das igrejas

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SÃO PAULO - O fenômeno uber chegou também às igrejas. Pesquisa Datafolha divulgada no domingo mostrou que em apenas seis anos mais do que dobrou a fatia dos brasileiro­s que afirmam não ter uma religião. Eles passaram de 6% em 2010 para 14% na sondagem deste ano.

“Sem religião” é uma categoria capciosa. Ela abarca, além dos óbvios ateus e agnósticos, pessoas que, por diversas razões, não se sentem mais ligadas a nenhuma denominaçã­o religiosa, mas não perderam sua fé num Deus pessoal ou mesmo numa “força maior”. Gente que está trocando de igreja também costuma declarar-se sem religião numa fase imediatame­nte anterior àquela em que abraça o novo credo. A categoria inclui ainda fieis compulsivo­s, que frequentam tantas igrejas que já nem sabem dizer a qual pertencem.

Eu vejo esse uber eclesial com certa simpatia. Em primeiro lugar, ele indica que há forte liberdade religiosa no país, não apenas no plano jurídico-institucio­nal mas também no das pressões sociais, que são muitas vezes mais severas que as leis. Hoje, já não há estigma importante associado àqueles que mudam de religião ou a abandonam por completo.

Esse troca-troca pode ser um indicativo de que pelo menos parte dos brasileiro­s está vivendo o seu “believing without belonging” (crer sem pertencer), expressão cunhada pela socióloga Grace Davie para referir-se ao fenômeno que, na Europa Ocidental, acabou resultando no esvaziamen­to das igrejas com manutenção de algumas das crenças religiosas.

Não é que eu considere o esvaziamen­to das igrejas um fim em si mesmo. Mas, se ele surge como consequênc­ia de um ambiente no qual as pessoas têm mais liberdade para decidir de forma autônoma como viverão suas vidas, não vejo como não aplaudi-lo. A religião é como a poesia, o sexo ou o rock. Pode ser uma fonte perfeitame­nte legítima de prazer para os apreciador­es, mas não deve ser imposta a ninguém. helio@uol.com.br

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