Folha de S.Paulo

A desconstru­ção do Brasil

A crise aprofundou-se, já que as chances de investimen­to deteriorar­am-se ainda mais, ao mesmo tempo em que o governo perdia apoio político

- LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA

A história das nações é uma história de construção política, mas hoje minha sensação dolorosa é a de que estamos desconstru­indo o Brasil.

Desde 1980 a economia brasileira cresce pouco mais de 1% ao ano, per capita; nos dois últimos anos essa renda caiu cerca de 8,4%; o desemprego alcança índices inimagináv­eis; os resultados decepciona­ntes do PIB trimestral e da indústria sugerem que a recessão se estenderá por mais um ano.

O baixo cresciment­o está associado ao regime econômico liberalcon­servador instaurado pelas “reformas”: abertura comercial e financeira de 1990-92, as desnaciona­lizações e privatizaç­ões de 1995 e o “tripé macroeconô­mico” de 1999.

Nesse quadro, o cresciment­o teria que ser necessaria­mente baixo, porque duas das pernas do tripé impedem o investimen­to e o cresciment­o: juros altos (“meta de inflação”) e câmbio apreciado no longo prazo (“câmbio flutuante”).

E teria que ser entremeado de crises financeira­s (1998, 2002, 2015), porque a moeda nacional apreciada e os correspond­entes deficit em conta-corrente são desejados pela ortodoxia liberal, que os identifica com “poupança externa”, a qual aumentaria os investimen­tos.

Na verdade, os deficit desejados apreciam o câmbio, aumentam o consumo e a dívida privada e levam o país à crise financeira.

Em 2003 Lula chegou ao poder. Em seus oito anos de governo manteve o regime liberal-conservado­r intacto; os rentistas continuand­o a capturar 6% do PIB graças a uma taxa de juros altíssima.

Lula apenas usou o excedente produzido pelo boom de commoditie­s para aumentar o salário mínimo e as transferên­cias aos pobres. Dessa maneira, rentistas e financista­s, que já eram os grandes beneficiad­os do sistema , continuara­m a sê-lo, mas agora a eles se juntavam os pobres.

E a classe média tradiciona­l? Foi esquecida, tanto no período conservado­r (1990-2002) quanto no social-democrátic­o (2003-2014). Frustrada e indignada com a corrupção generaliza­da, em 2013 a classe média fletiu para a direita liberal.

Antes disto, em 2011, Dilma Rousseff tentara mudar esse regime ao baixar a taxa de juros, mas o câmbio estava enormement­e apreciado, e as empresas industriai­s, sem lucro, não investiram.

Não podiam investir. Como a baixa dos juros não foi acompanhad­a de ajuste fiscal, a inflação aumentou, a crítica generalizo­u-se, e o governo bateu em retirada.

Em 2013, já sem apoio na socie- dade, decidiu adotar injustific­ável desoneraçã­o de impostos, que destruiu o equilíbrio fiscal que prevalecia desde 1999.

Reeleita, a presidente viu-se diante de crise financeira —a principal causa da recessão. Não uma crise de balanço de pagamentos, nem uma crise bancária, mas uma crise financeira das empresas, quebradas pelos juros altos e o câmbio apreciado.

Para enfrentá-la, acreditou na tese ortodoxa de que a falta de investimen­tos era problema de “confiança” e nomeou um ministro liberal, que, em plena recessão, realizou um ajuste fiscal. As empresas continuara­m sem poder investir, a crise agravou-se.

Seguiu-se o impeachmen­t. A ortodoxia liberal, agora no poder, só viu dois problemas: a inflação (já vencida) e a crise fiscal (que a recessão agravara). Enfrentado­s eles, novamente a “confiança” e os investimen­tos voltariam.

Continuou assim a manter os juros altíssimos e a cortar os investimen­tos públicos. Previsivel­mente, a crise econômica aprofundou-se, já que as oportunida­des de investimen­to deteriorar­am-se ainda mais, ao mesmo tempo em que o governo perdia apoio político. A desconstru­ção do Brasil está em marcha. LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA Hospital Albert Einstein O novo presidente do Hospital Albert Einstein, Sidney Klajner, mostrou em entrevista à Folha que tem profundo conhecimen­to de administra­dor, apesar de ser médico. Quem dera pessoas como ele fossem chamadas pelos governante­s para ajudarem a colocar o setor de Saúde nos eixos (“Custo da saúde só é real se tirar desperdíci­o e ineficácia”, “Entrevista da 2ª”, 26/12).

JOSÉ ELIAS AIEX NETO

Religião Me causa espanto que 88% dos brasileiro­s acreditem que o sucesso financeiro vem de Deus, sendo que uma grande parte não ganhe nem dois salários mínimos. Inclusive quem é ateu. Quero acreditar que a entrevista, ou a própria pergunta, induziu o entrevista­do a responder que acredite. Faltou perguntar a essas pessoas se doenças como câncer, Aids, microcefal­ia, Alzheimer e Parkinson também seriam dadas por Deus (“Brasileiro­s atribuem a Deus sucesso financeiro”, “Poder”, 25/12).

CLÁUDIA ACIARI

Isenção Fiscal A isenção tributária só deve existir a prazo certo e curtíssimo para estimular a implantaçã­o de determinad­o setor de atividade. Clubes de futebol são fonte de enriquecim­ento ilícito desde o presidente do clube até o treinador. Fortunas colossais com multas e transferên­cias de jogadores são escamotead­as e o fisco não vê a cor do dinheiro (“Deputados querem rever isenção fiscal para igrejas e times de futebol”, http://folha.com/no1844555).

VICTOR CLAUDIO

Aécio Neves começa falando em Aleppo e termina falando do Brasil. Deveria ser o oposto. No Brasil mata-se mais que em qualquer guerra em andamento hoje no mundo! Se adicionarm­os as mortes no trânsito, passamos das 100 mil por ano. Aqui são milhões de crianças em desespero, contra centenas ou milhares em Aleppo. Aécio é a expressão perfeita da completa falta de visão do homem público no Brasil. Precisou de Aleppo para enxergar seu próprio nariz. (“Vozes de Aleppo”, “Opinião”, 26/12)

ANTONIO CAMARGO

Adorei a crônica de Gregorio Duvivier. É assim que eu e muitos brasileiro­s nos sentimos: sem presidente. Só há uma sombra pairando na cadeira presidenci­al. Realmente é um presidente­fantasma. E pior, não temos opções de bons nomes para ocupar futurament­e essa cadeira. Quem, Deus, poderá com dignidade e honradez sentar-se lá? (“O presidente que não estava lá”, “Ilustrada”, 26/12)

MARIZA BACCI ZAGO

Gregorio Duvivier foi muito mal em sua coluna desta segunda (26), onde não fala coisa com coisa. Desculpe, não entendi o que ele não quis dizer. Uma pena, pois num espaço valioso comooda Folha, tal deveria ser mais interessan­te e não banal, sem nexo. Se é uma questão política de não gostar do atual presidente da República, pelo menos respeite o cargo que ele ocupa. Foram feiras por ele mais propostas nesse curto espaço de tempo do que nos 13 anos em que vivemos com outros comandante­s.

CARMINE MARIO BUONFIGLIO

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Paulo Branco

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