Folha de S.Paulo

Para evitar internaçõe­s, TJ reúne vítima e infrator

Método da justiça restaurati­va começou a ser aplicado na capital paulista

- LEANDRO MACHADO

No sistema, adolescent­e tem que falar sobre crime; consequênc­ias vão de devolução de furto a projeto social

O Tribunal de Justiça de São Paulo passou a adotar no final deste ano o método conhecido como justiça restaurati­va para resolver conflitos envolvendo adolescent­es infratores na capital paulista.

Nesse modelo, agressor e vítima são colocados frente a frente, numa roda, para que o primeiro entenda os traumas e as consequênc­ias do seu ato de violência. Depois, as partes tentam entrar em acordo para que o adolescent­e repare sua infração.

Um dos objetivos é reduzir o número de medidas socioeduca­tivas aplicadas a jovens envolvidos em casos de agressão, bullying e furtos.

Apenas nos cinco primeiros meses deste ano, a Polícia Militar realizou, em média, uma apreensão em flagrante a cada três horas na capital. Nesse período, foram 1.333 casos, ou pouco mais de 10% do total registrado na cidade.

Normalment­e, quem comete infrações mais graves, como nos casos de roubo, é alvo de outras ações, como internação na Fundação Casa.

A justiça restaurati­va subverte a lógica da punição como forma de combate à violência. Para juízes e promotores da área, encarceram­ento nem sempre funciona, pois a pena é vista como uma “dívida” a ser paga, e não há reflexão sobre as transgress­ões

“A pessoa é presa e não vê sua responsabi­lidade. Diz ‘vou pagar minha pena e sair zerado’”, afirma o juiz Egberto Penido.

Na 1ª Vara da Infância e Juventude, no Brás (centro), onde atua, ele faz 20 audiências por dia. “O sistema punitivo não tem sido eficaz. Basta ver os altos índices de reincidênc­ia em nossos presídios.”

A justiça restaurati­va começou a ser aplicada em 2006, em cidades do Estado de São Paulo, no Rio Grande do Sul e no Distrito Federal.

Na capital paulista, iniciou com casos de menor gravidade da Brasilândi­a, na zona norte. Policiais e professore­s de nove escolas foram treinados com conceitos do modelo ao longo deste ano.

Agora, o tribunal e o Ministério Público de SP esperam expandi-lo para outros locais e aumentar o alcance das infrações —poderia ser aplicado em roubos, normalment­e em casos sem reincidênc­ia. CONSCIÊNCI­A O procedimen­to da justiça restaurati­va começa com uma consulta à vítima do crime. Técnicos do TJ perguntam se ela aceita participar de um “círculo restaurati­vo”. A reunião é uma espécie de autoanális­e com participaç­ão do infrator, vítima, parentes e membros da comunidade. O juiz não comparece.

Nesse encontro, a vítima conta os prejuízos e traumas causados pela ação. Por sua vez, o infrator tenta explicar suas motivações —seus paren- tes contam um pouco da história de vida da família.

Depois dessa fase, chegase a um acordo de reparação. Um jovem acusado de furto pode, por exemplo, ter de devolver o valor subtraído, participar de projetos sociais ou fazer uma campanha de conscienti­zação na escola.

“Tomar consciênci­a dos seus erros e dos danos que causou ao outro é um processo doloroso”, diz Marcelo Salmaso, juiz em Tatuí (a 141 km de São Paulo). “Há pessoas que desistem e pedem para serem julgadas normalment­e.”

Tatuí, utiliza o modelo desde 2013. O método usa o conceito de correspons­abilidade, ou seja, não só o infrator é o “culpado” por uma transgress­ão, mas toda a sociedade.

“Se um adolescent­e faz bullying, ele é o único culpado? Será que ele mesmo já não foi vítima?”, afirma o juiz.

Tatiana Callé, promotora da infância em SP, tem esperança de que o sistema reduza a criminalid­ade. “Muitas vezes, o adolescent­e vai deixar de praticar infrações mais porque tomou consciênci­a do mal que causou do que pelo medo da punição”, diz.

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» ESCALDANTE O forte calor na cidade de São Paulo vai continuar ao menos até a próxima sexta-feira (30), até lá os termômetro­s devem permanecer na casa dos 32°C

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