Folha de S.Paulo

No interior de SP, vítima adota ‘ladrão de primeira viagem’

Integrante­s de grupo de oração em Tatuí pediram a juiz que adolescent­e não fosse enviado à Fundação Casa

- TRANSIÇÃO PAULISTANA

Garoto se compromete­u a fazer futebol, ir a projeto social de vítima e participar de encontro de jovens da igreja

O estudante Pedro, 16, tinha uma arma, de plástico. Numa noite de um domingo de setembro, ele e um amigo bolaram um plano que parecia perfeito para eles: entrariam em uma casa, renderiam os moradores e roubariam o que pudessem carregar.

Por volta das 21h, os dois abriram o portão da casa da comerciant­e Ana Cristina Gagliardi, 43, na cidade de Tatuí, a 141 km da capital.

Pedro, que nunca havia praticado uma infração e entrou na casa para roubar, acabou “adotado” por suas vítimas após passar por um processo de justiça restaurati­va, que tem por objetivo evitar punições de encarceram­ento.

Quando anunciaram o assalto, Pedro e o amigo se depararam com oito mulheres em uma roda de orações.

Os jovens queriam levar celulares e as motos, na garagem. “Passaram tantas coisas na minha cabeça, não sei porque fiz aquilo. Não tem explicação”, lembra o estudante.

Os garotos fugiram, levando dois celulares —um deles da mãe de Ana. “Fiquei muito sentida, porque no aparelho havia as últimas fotos da minha mãe. Ela tinha falecido 40 dias antes”, conta Ana.

Dias depois do roubo, Pedro foi apreendido por policiais militares —quase levou um tiro. “Acho que caiu a ficha naquela hora. Só fiquei pensando no meu irmão, que estava em casa”, lembra.

Na delegacia, Ana teve de reconhecê-lo. “Quando olhei, me deu muita pena. Esse garoto vai ser preso por minha causa? Me senti um caco.”

No corredor, ela encontrou a mãe de Pedro. A metalúrgic­a Joana tentava entender. “A gente pensa que errou em algo. Fiquei desesperad­a de pensar que ele ficaria na Fundação Casa. Ele iria apanhar, virar bandido”, afirma.

“Dei um abraço e disse que queria ajudar. Sou mãe também”, explica Ana.

As vítimas procuraram Marcelo Salmaso, juiz de Ta- tuí que atua com justiça restaurati­va, para tentar reverter a internação imposta a Pedro. O magistrado sugeriu o círculo restaurati­vo. O outro adolescent­e, também detido, teve que ser internado porque era reincident­e em infrações.

Semanas depois, Ana e mais duas vítimas encontrara­m Pedro e sua família no Fórum. Em círculo, cada um falou um pouco de sua vida. Ana falou do trauma do assalto e do valor sentimenta­l do celular roubado.

Pedro pediu perdão e chorou. “Senti que ele estava com muita vergonha”, diz Ana, emocionada. Eles entraram em acordo: o jovem iria fazer aulas diárias de futebol, participar do grupo de jovens da igreja de sua mãe e tornar-se voluntário em um projeto social de uma das vítimas.

Ele tem cumprido as medidas e diz não pensar em violência. “Nunca mais”, promete. Ana termina: “É uma história de novela. As pessoas dizem que fui louca de perdoá-lo. Esse menino ganhou outra família, acredito que ele aprendeu. Todos aprendemos”. (LEANDRO MACHADO)

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Eduardo Anizelli/Folhapress Ana Cristina Gagliardo, 43, que ‘adotou’ adolescent­e que invadiu sua casa, em Tatuí (SP)

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