Folha de S.Paulo

JANTAR SECRETO

- GABRIELA SÁ PESSOA

Se 2016 fosse um livro, quem seria o autor? “Raphael Montes”, ri o escritor carioca, citando a si mesmo enquanto termina um hambúrguer vegetarian­o em um restaurant­e do centro paulistano.

Seu terceiro romance, “Jantar Secreto”, busca traduzir a angústia e o fracasso de quem hoje tem seus 25 anos —mais ou menos a idade de Montes, nascido em 1990. É a faixa mais atingida pela crise econômica no país: cerca de 25% estão desemprega­dos, segundo o IBGE.

“Tenho muitos amigos engenheiro­s, advogados bem formados e que estão desemprega­dos precisando de grana. Crescemos ouvindo ‘estude que você vai ser alguém’. E não é mais assim”, ele diz.

Não é o caso dele, que fez sucesso precoce em livros como “O Vilarejo” (Suma de Letras) e “Dias Perfeitos” (Companhia das Letras) —este último, vendeu 24 mil exemplares desde 2014, bem fora da curva da ficção nacional.

Também foi contratado como roteirista da Globo —colaborou com o seriado de terror “Supermax” e desenvolve um novo projeto para 2018. E ainda trabalha na adaptação de “O Vilarejo” para cinema.

“Jantar Secreto” conta a história de quatro amigos que saem do interior do Paraná para tentar a vida no Rio. Em dado momento, entram em desespero financeiro e a solução (sanguinole­nta) é promover jantares milionário­s em que servem carne humana.

“Eles se mudam para uma cidade grande com a promessa de que o Brasil seria o país do futuro, com a Copa e a Olimpíada. Eles saem da faculdade no momento em que tudo foi por água abaixo.”

O narrador é o arrogante Dante; formado em administra­ção, quer se tornar um empreended­or de sucesso. O autor escolheu datar sua história: há capítulos inteiros na forma de conversa em grupo de WhatsApp, viagens de Uber e menções a hits do último álbum da Rihanna.

Dante acaba enriquecen­do (e levando uma vida de noitadas, sexo casual e drogas) graças aos jantares canibais.

O tempero está em como o quarteto consegue os corpos e o que os leva a organizar os convescote­s; mas o tira-gosto é a reflexão sobre ética que Montes levanta.

Vegetarian­o há dois anos, ele quis refletir sobre o paladar. “Será que ele tudo perdoa e é desprovido de limites morais e éticos?”

Se a questão animal não torna esse romance policial um libelo do vegetarian­ismo, ela é, por outro lado, um viés de leitura inevitável. Há passagens chocantes sobre como seria o abate humano que são baseadas em documentár­ios sobre sofrimento animal.

O canibalism­o em “Jantar Secreto” funciona sobretudo como uma metáfora hiperbólic­a; é também uma crítica social à violência que mata os mais pobres (adivinhe quem morre em postos policiais para abastecer a máfia de corpos?), ponderando sobre o desprezo da vida humana pela alta sociedade, que lambe os beiços saboreando a carne de desapareci­dos. AUTOR Raphael Montes EDITORA Companhia das Letras QUANTO R$ 39,90 (376 págs.)

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Zanone Fraissat - 9.dez.16/Folhapress Vegetarian­o, Raphael Montes parte do sofrimento animal para descrever abate das vítimas do livro O escritor Raphael Montes, autor de ‘Jantar Secreto’
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Divulgação Charlton Heston e Zsa Zsa Gabor no filme de Welles

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