Coleção tira mitos indígenas do nicho infantojuvenil
FOLHA
Por mais contraditória que a afirmação possa parecer, a história da literatura é muito anterior à escrita. Tem pelo menos 200 mil anos, contemporânea que é da própria espécie humana, do animal que nós somos.
A ciência costuma narrar a grande aventura da humanidade como uma saga tecnológica, a passagem da pedra lascada para a polida, a descoberta da metalurgia, a domesticação de plantas, a conquista da “civilização”.
Todavia a maior invenção do homem pré-histórico, sua mais importante realização, a que estabeleceu o próprio conceito de humanidade foi o corpus mitológico.
Todas as matérias que a literatura “stricto sensu” iria desenvolver de uns 6.000 anos para cá já estavam na mitologia primitiva. Todos os dramas, todas as tensões, todas as inquietações éticas e metafísicas sobre problemas fundadores da humanidade já tinham sido exaustivamente examinadas pela narrativa mítica: o amor, a morte, a sexualidade, a vingança, a criação, o caos.
A mitologia é o gênero literário por excelência, porque conjuga o máximo de conteúdo com o mínimo de expressão. E é por essa densidade que o texto mítico constitui o mais profundo e complexo exercício de leitura.
Assim, recebe-se com entusiasmo a coleção Mundo Indígena, que reúne mitos ameríndios do Brasil, país que se notabiliza pelo desprezo a seu povo e a seu passado. São sete livros, com textos das etnias guarani-mbyá, hupda, kaxinawá e ianomâmi.
“A Terra Uma Só”, escrito por Timóteo Verá Tupã Popygua, é uma versão pessoal da belíssima narrativa guarani sobre a criação do mundo (a mesma recolhida por León Cadogan no célebre “Ayvu Rapyta”, de que também se serviu Kaká Werá Jecupé no seu “Tupã Tenondé”).
Esse livro levanta questão interessante relativa ao conceito de autoria: para os organizadores, Timóteo é autor do texto de “A Terra Uma Só”, porque (apesar de similar aos mencionados “Tupã Tenondé” e “Ayvu Rapyta”) traz uma interpretação particular da matéria tradicional, fenômeno