Folha de S.Paulo

QUEER AND MUTANT FUNK CUTS (2000-2005)

- CHICO FELITTI

COLABORAÇíO PARA A FOLHA

Tá dominado. O funk tá todo dominado. “Pelos evangélico­s, pelo moralismo, por toda essa cafonice que está aí”, diz Eliete Mejorado, 49, a metade feminina do grupo de música eletrônica Tetine, que lançou recentemen­te o álbum “Queer and Mutant Funk Cuts (2000-2005)”, composto por… funks.

Mas não são funks como os de Anitta e Ludmilla, que dominaram as paradas de 2016 versando sobre inimigas, encoxadas e unhas decoradas segurando copos de bebida na balada. Os batidões que esse grupo eletrônico gravou entre 2000 e 2005 e só lançados em conjunto agora falam sobre sexo cru, violência e as dores e as delícias de ser Terceiro Mundo.

“Foi uma paixão. A gente não tinha a pretensão de soar como funk carioca, até porque a gente é gótico, né?”, argumenta Bruno Verner, 46, o elemento masculino do duo numa sala de estar de Nova York, onde a dupla estava para gravar algumas faixas, e para ele, que termina um doutorado no estudo do pós-punk, fazer pesquisa de campo.

A dupla, junta há 22 anos, já lançou mais de duas dezenas de discos e segue sendo uma embaixada da música brasileira na Inglaterra.

O mineiro e a paulista, que durante o período encampado pelo disco tiveram um programa de rádio na Inglaterra, influencia­ram artistas como MIA ao tocar as músicas das favelas brasileira­s, que fora do país ganhou o apelido baile funk, presente até hoje em lojas de discos parisiense­s e nova-iorquinas.

Os sons do novo trabalho são mais obscuros, distorcido­s e melancólic­os do que as versões originais das músicas, gravadas por artistas como Bonde do Tigrão para serem bailes de favela.

O resultado sombrio é atribuído ao processo de produção do produto. “A gente gravou tudo num quarto fechado. Tem uma melancolia de como foi gravar as coisas ali quietinhos no escuro.”

A decisão de fuçar o fundo do baú num momento em que Trumps e Dorias chegam ao poder não é coincidênc­ia. “É uma resposta ao conservado­rismo”, diz Mejorado. FUNK É MACUMBA “Agora é hora de gozar bem alto, tirar a roupa para todos esses Bolsonaros que estão aí. Se tem um momento para a macumba, é agora. É hora de fazer macumba, magia negra. Mudar esse astral. O funk tem esse poder. É o jeito como eu sei fazer macumba, é minha passeata”, segue ela.

As músicas são apresentad­as exatamente como foram gravadas mais de uma década atrás, apenas com nova remasteriz­ação. Algumas delas, como “Revolution Is My Boyfriend” não chegaram a ser lançadas no Brasil, pois só integraram coletâneas europeias.

O álbum pode ser ouvido no serviço de streaming Spotify ou comprado on-line, por 1 libra (cerca de R$ 4) cada faixa.

O novo disco é o oposto de outro álbum que lançaram neste ano. “53 Diamonds” tratava da futilidade do mundo da arte em músicas mais declamadas do que cantadas e quase acústicas, sem uma batida eletrônica que fosse.

“Esses dois trabalhos têm uma sexualidad­e muito forte, mas são completame­nte diferentes. Esse de funk é uma coisa que explode na sua cara, são beats vagabundos”, diz Verner.

Para eles, o monstro da caretice que paira sobre o país é escancarad­o em episódios como a polêmica ao redor do videoclipe de Clarice Falcão, “Eu Escolhi Você”, em que pênis, bundas e vaginas aparecem fantasiado­s, filmados de frente enquanto interpreta­m passinhos de dança.

Por seu conteúdo ter sido considerad­o inapropria­do, o filmete foi banido de sites como YouTube e Facebook. “Minha filha de oito anos amou. Falou: ‘Look mommy, it’s a vagina!’ [Olha,mamãe,éumavagina!].”

Para Mejorado, parte da liberdade conquistad­a com a populariza­ção do funk se perdeu quando o estilo musical foi cooptado pelo mercado e passou a marcar presença em programas de auditório.

“Olha para as mulheres que cantavam funk dez anos atrás. Deize Tigrona, Tati Quebra Barraco… São mulheres que carregam a própria mala. Bateram um tanque e criaram oito filhos e tão ali, quebrando tudo.”

A macumba acadêmica do Tetine deve poder ser vista ao vivo no Brasil em abril, quando eles planejam aportar no país após mais de um ano sem se apresentar aqui. “É hora de a gente peidar. Eu vou peidar muito e quero que essa gente sinta o cheiro”, promete Mejorado. ARTISTA Tetine GRAVADORA Kudos QUANTO cerca de R$ 4 por faixa em kudosrecor­ds.co.uk ou grátis em plataforma­s de streaming

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Eliete Mejorado e Bruno Verner, do Tetine

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