Folha de S.Paulo

Vitória final

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Nelson Rodrigues (1912-1980) ganhou uma estátua na rua Barata Ribeiro, em Copacabana, em frente à rua Inhangá. Aos que o associam apenas à Aldeia Campista, perto da Tijuca, onde construiu grande parte de sua obra, ou ao Leme, onde passou seus últimos dez anos, o cenário de Inhangá, nos fundos do Copacabana Palace, pode parecer estranho. Mas Nelson morou ali, “por volta de 1923, 24”, escreveu. Teria, portanto, 11, 12 anos. Era vizinho do garoto Lúcio Cardoso, futuro romancista.

Nelson tem agora um metro quadrado do Rio só para ele. É pouco para quem levou 40 anos povoando a cidade. E fez isto não apenas com os tipos que criou — Palhares, o canalha, o Sobrenatur­al de Almeida, a grã-fina das narinas de cadáver, o profeta do óbvio, o idiota da objetivida­de, muitos mais —, mas com a multidão que habitou seus romances, peças, contos, crônicas e provocaçõe­s. Essa multidão éramos nós. Não há um leitor de Nelson que não tenha se sentido representa­do em muito do que ele escreveu.

E o que dizer do Rio que Nelson ocupou com sua ficção? Seus personagen­s moravam na Zona Norte, trabalhava­m no Centro e prevaricav­am na Zona Sul. Nelson os fazia andar de bonde, lotação ou táxi, e cada rua ou bairro também era tratado como um personagem. O apogeu dessa ocupação está no folhetim “Asfalto Selvagem” (1959), que se passa em Vaz Lobo, na praça Saenz Peña, na avenida Rio Branco, no Largo do Machado, em São Conrado e numa Barra ainda deserta e selvagem.

Pensando melhor, este metro quadrado não é pouco. Simboliza a vitória final de Nelson sobre os censores, de direita e de esquerda, que pensaram tê-lo condenado ao silêncio e à execração.

Mas Nelson tinha total consciênci­a de seu valor. Posso quase vê-lo, em vida, alto e de perfil, já posando para um futuro bronze. DIOGO BERCITO

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