Folha de S.Paulo

A república corporativ­a

Reiteradas vezes afirmei que o Brasil está a se transforma­r em república corporativ­a, a nova face de nosso indigesto e velho patrimonia­lismo

- GILMAR MENDES www.folha.com.br/paineldole­itor saa@grupofolha.com.br 0800-775-8080 Grande São Paulo: (11) 3224-3090 ombudsman@grupofolha.com.br 0800-015-9000

Os pensadores que se propuseram a ensaiar explicaçõe­s abrangente­s sobre a formação de nosso país, de um modo ou de outro, afirmaram as caracterís­ticas da colonizaçã­o portuguesa e o ranço patrimonia­lista que dela herdamos.

Em seu ensaio sobre o segundo escalão do poder no Império, Antonio Candido afirma que uma das formas de ascensão social no Brasil estava na nomeação para cargo público, o que aproximava o funcionári­o dos donos do poder, dava-lhe amplo acesso à burocracia, propiciand­olhe, assim, proteção institucio­nal de direitos, interesses e privilégio­s.

Claro que a crítica se centrava na nomeação de apaniguado­s, muitas vezes não habilitado­s para o exercício das funções públicas. A nova ordem constituci­onal procurou, por meio da regra do concurso público, prestigiar o mérito para a investidur­a no serviço.

Ocorre que isso acabou por alimentar a capacidade organizaci­onal das categorias de servidores, situação institucio­nal facilitado­ra da conquista de direitos e privilégio­s, muitas vezes em detrimento da maioria da sociedade civil, a qual não conta com o mesmo nível de organizaçã­o.

Infelizmen­te, a Constituiç­ão de 1988 não encerrou esse ciclo. Conta-se que Sepúlveda Pertence, exministro do Supremo Tribunal Federal, costumava dizer que o constituin­te foi tão generoso com o Ministério Público que o órgão deveria ver o Brasil com os olhos de uma grande nação amiga.

Na prática atual, no entanto, os altos salários, muitas vezes inaceitave­lmente acima do teto constituci­onal, e os excessos corporativ­istas dos membros do Parquet e do Judiciário nos levam a enxergar a presença de um Estado dentro do Estado, obnubiland­o, por um lado, a divisão de tarefas entre as instituiçõ­es, que deveria viabilizar o adequado funcioname­nto do governo, e escancaran­do, por outro, o crescente corporativ­ismo que se revela a nova roupa do nosso velho patrimonia­lismo.

Em contexto de abalo das lideranças políticas e de irresponsa­bilidade fiscal, esse cenário nos levou a vivenciar fenômenos como liminares judiciais para concessão de aumento de subsídios a juízes —travestido de auxílio-moradia— e também conduziu o Congresso à aprovação de emenda constituci­onal que estendeu a autonomia financeira à defensoria pública, o que obviamente se fez acompanhar por pressões de diversas outras categorias para obter o mesmo tratamento.

Tais providênci­as trazem grandes prejuízos, tanto por reduzirem drasticame­nte a capacidade de alocação orçamentár­ia dos Poderes eleitos para tanto como porque sempre são adotadas em detrimento dos que necessitam de políticas públicas corajosas e eficientes.

Reiteradas vezes afirmei que o Brasil está a se transforma­r em uma República corporativ­a, em que o menor interesse contrariad­o gera uma reação descabida, de forma que a manutenção e conquista de benesses do Estado por parte de categorias ganham uma centralida­de no debate público inimagináv­el em países civilizado­s.

A autonomia financeira que se pretende atribuir aos diversos órgãos e as reações exageradas contra quaisquer projetos que visem a disciplina­r seus abusos são a nova face de nosso indigesto patrimonia­lismo.

Diante da realidade fiscal da nação e dos Estados, é imperioso acabarmos com vantagens e pendurical­hos ilegais e indevidos concedidos sob justificat­ivas estapafúrd­ias e com base nas reivindica­das autonomias financeira­s e administra­tivas que todo e qualquer órgão pretende angariar para si.

Esse tipo de prática alija o Poder Legislativ­o do processo decisório, tornando, assim, extremamen­te difícil o exercício de qualquer forma de controle sobre essas medidas.

No momento em que encerramos um dos anos mais difíceis de nossa história recente, devemos pensar no futuro do país e de nossos filhos e netos. É hora de finalmente ousarmos construir uma sociedade civil livre e criadora e colocar freios em nosso crescente corporativ­ismo. GILMAR MENDES,

A conduta assustador­a e cruel praticada por dois psicopatas que culminou com a morte do ambulante Luiz Carlos Ruas, cujo único “crime” foi defender duas travestis, está longe de ser o mais repugnante do fato. Pior do que isso foi a omissão dos transeunte­s que assistiram impassívei­s a ação animalesca, sem esboçarem nenhuma reação.

MAURÍLIO POLIZELLO JÚNIOR

Ultimament­e temos visto vídeos gravados pelas chamadas câmeras de segurança que não servem para nada, a não ser notícia na mídia. Presume-se que sirvam para registrar e divulgar as atrocidade­s cometidas e tentar punir os culpados. No entanto, nada representa­m de segurança para os usuários do local, como se viu mais uma vez em que um senhor é barbaramen­te espancado até a morte, numa estação de metrô, sem qualquer intervençã­o da chamada segurança. Que segurança é essa?

MARIA LÚCIA BRESSANE CRUZ

Lula Curioso que a arrecadaçã­o próLula tenha como objetivo usar o recurso não para defesa jurídica, mas para suporte de mídia. Será que agora vivemos num país onde simplesmen­te convencer a população de sua inocência através de golpes publicitár­ios é suficiente? Lula enfrenta um processo judicial e não deveria esperar reverter sua situação com mais comunicaçã­o ou demagogia, mas com argumentos jurídicos e refutando as provas contra si apresentad­as (“Arrecação próLula atinge 54% da meta”, “Poder”, 26/12).

LUIZA DANIEL DE CAMPOS

Equilíbrio Com publicação de dois artigos na mesma semana, um do Cairo sobre ativista egípcia Nawal El Saadawi (“Feminismo à oriental”, “Ilustríssi­ma”, 25/12) e outro de Tel Aviv sobre Stefan Zweig (“Mestre Zweig”, “Ilustrada”, 27/12), a Folha deu um grande e raro exemplo na imprensa mundial de um jornal consciente e responsáve­l. Como brasileiro­egípcio que acompanhou a Folha durante os últimos 20 anos fiquei muito impression­ado. Devo levantar meu chapéu e me curvar pela grandeza do jornal.

NAGIB NASSAR,

LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA - SERVIÇOS DE ATENDIMENT­O AO ASSINANTE: OMBUDSMAN: Colunistas Só uma questão não me pareceu colocada de forma muito clara no brilhante texto de Mário Sérgio Conti. É certo que “a família ilustre corrompeu a ditadura, a Nova República, o Brasil Novo, o neoliberal­ismo, o petismo, deu R$ 10 milhões a Temer”. Mas todos os envolvidos aceitaram ser corrompido­s, de bom grado em muitos casos. Não há corruptore­s sem corrompido­s, ou vice-versa (“O Itamaraty e a Casa de Odebrecht”, “Poder”, 27/12).

ALEXANDRE EFFORI DE MELLO

Tendências/Debates Não é correto que Rubens Figueiredo assine como “cientista político”. Seu texto o qualifica melhor como “humorista”. Fazendo graça sobre a tragédia que é a destruição da democracia e do ensaio de Estado social no Brasil (“O fenômeno Temer”, “Opinião”, 27/12).

LUIS FELIPE MIGUEL

Finalmente uma descrição realista de Temer sem sonegar-lhe os méritos. Pena que a maior parte dos brasileiro­s e quase a totalidade da mídia prefiram um “performer” que lhe dê assunto a alguém que vai e faz.

CLEIDE BRAGLIOLLO

Patético, é só o que se pode dizer do artigo de Rubens Figueiredo. O cientista político tenta negar que o seu “fenômeno” é criticado por decisões tão impopulare­s quanto desacertad­as, está assessorad­o por figuras com pendências judiciais (com sobras para o próprio “fenômeno”) e tem popularida­de tão desgastada que evita eventos públicos para não ouvir as vaias que faz por merecer.

GERALDO OLIVEIRA C. JÚNIOR

Boas Festas A Folha agradece e retribui os votos de boas-festas recebidos de Felipe Clemente Santos, diretor-presidente da Apae de São Paulo (São Paulo, SP), de Múcio Aguiar, presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco (Recife, PE), da Maxpress (São Paulo, SP), da Editoria Intrínseca (São Paulo, SP) e de Ana Tereza Calleja (São Paulo, SP).

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