A república corporativa
Reiteradas vezes afirmei que o Brasil está a se transformar em república corporativa, a nova face de nosso indigesto e velho patrimonialismo
Os pensadores que se propuseram a ensaiar explicações abrangentes sobre a formação de nosso país, de um modo ou de outro, afirmaram as características da colonização portuguesa e o ranço patrimonialista que dela herdamos.
Em seu ensaio sobre o segundo escalão do poder no Império, Antonio Candido afirma que uma das formas de ascensão social no Brasil estava na nomeação para cargo público, o que aproximava o funcionário dos donos do poder, dava-lhe amplo acesso à burocracia, propiciandolhe, assim, proteção institucional de direitos, interesses e privilégios.
Claro que a crítica se centrava na nomeação de apaniguados, muitas vezes não habilitados para o exercício das funções públicas. A nova ordem constitucional procurou, por meio da regra do concurso público, prestigiar o mérito para a investidura no serviço.
Ocorre que isso acabou por alimentar a capacidade organizacional das categorias de servidores, situação institucional facilitadora da conquista de direitos e privilégios, muitas vezes em detrimento da maioria da sociedade civil, a qual não conta com o mesmo nível de organização.
Infelizmente, a Constituição de 1988 não encerrou esse ciclo. Conta-se que Sepúlveda Pertence, exministro do Supremo Tribunal Federal, costumava dizer que o constituinte foi tão generoso com o Ministério Público que o órgão deveria ver o Brasil com os olhos de uma grande nação amiga.
Na prática atual, no entanto, os altos salários, muitas vezes inaceitavelmente acima do teto constitucional, e os excessos corporativistas dos membros do Parquet e do Judiciário nos levam a enxergar a presença de um Estado dentro do Estado, obnubilando, por um lado, a divisão de tarefas entre as instituições, que deveria viabilizar o adequado funcionamento do governo, e escancarando, por outro, o crescente corporativismo que se revela a nova roupa do nosso velho patrimonialismo.
Em contexto de abalo das lideranças políticas e de irresponsabilidade fiscal, esse cenário nos levou a vivenciar fenômenos como liminares judiciais para concessão de aumento de subsídios a juízes —travestido de auxílio-moradia— e também conduziu o Congresso à aprovação de emenda constitucional que estendeu a autonomia financeira à defensoria pública, o que obviamente se fez acompanhar por pressões de diversas outras categorias para obter o mesmo tratamento.
Tais providências trazem grandes prejuízos, tanto por reduzirem drasticamente a capacidade de alocação orçamentária dos Poderes eleitos para tanto como porque sempre são adotadas em detrimento dos que necessitam de políticas públicas corajosas e eficientes.
Reiteradas vezes afirmei que o Brasil está a se transformar em uma República corporativa, em que o menor interesse contrariado gera uma reação descabida, de forma que a manutenção e conquista de benesses do Estado por parte de categorias ganham uma centralidade no debate público inimaginável em países civilizados.
A autonomia financeira que se pretende atribuir aos diversos órgãos e as reações exageradas contra quaisquer projetos que visem a disciplinar seus abusos são a nova face de nosso indigesto patrimonialismo.
Diante da realidade fiscal da nação e dos Estados, é imperioso acabarmos com vantagens e penduricalhos ilegais e indevidos concedidos sob justificativas estapafúrdias e com base nas reivindicadas autonomias financeiras e administrativas que todo e qualquer órgão pretende angariar para si.
Esse tipo de prática alija o Poder Legislativo do processo decisório, tornando, assim, extremamente difícil o exercício de qualquer forma de controle sobre essas medidas.
No momento em que encerramos um dos anos mais difíceis de nossa história recente, devemos pensar no futuro do país e de nossos filhos e netos. É hora de finalmente ousarmos construir uma sociedade civil livre e criadora e colocar freios em nosso crescente corporativismo. GILMAR MENDES,
A conduta assustadora e cruel praticada por dois psicopatas que culminou com a morte do ambulante Luiz Carlos Ruas, cujo único “crime” foi defender duas travestis, está longe de ser o mais repugnante do fato. Pior do que isso foi a omissão dos transeuntes que assistiram impassíveis a ação animalesca, sem esboçarem nenhuma reação.
MAURÍLIO POLIZELLO JÚNIOR
Ultimamente temos visto vídeos gravados pelas chamadas câmeras de segurança que não servem para nada, a não ser notícia na mídia. Presume-se que sirvam para registrar e divulgar as atrocidades cometidas e tentar punir os culpados. No entanto, nada representam de segurança para os usuários do local, como se viu mais uma vez em que um senhor é barbaramente espancado até a morte, numa estação de metrô, sem qualquer intervenção da chamada segurança. Que segurança é essa?
MARIA LÚCIA BRESSANE CRUZ
Lula Curioso que a arrecadação próLula tenha como objetivo usar o recurso não para defesa jurídica, mas para suporte de mídia. Será que agora vivemos num país onde simplesmente convencer a população de sua inocência através de golpes publicitários é suficiente? Lula enfrenta um processo judicial e não deveria esperar reverter sua situação com mais comunicação ou demagogia, mas com argumentos jurídicos e refutando as provas contra si apresentadas (“Arrecação próLula atinge 54% da meta”, “Poder”, 26/12).
LUIZA DANIEL DE CAMPOS
Equilíbrio Com publicação de dois artigos na mesma semana, um do Cairo sobre ativista egípcia Nawal El Saadawi (“Feminismo à oriental”, “Ilustríssima”, 25/12) e outro de Tel Aviv sobre Stefan Zweig (“Mestre Zweig”, “Ilustrada”, 27/12), a Folha deu um grande e raro exemplo na imprensa mundial de um jornal consciente e responsável. Como brasileiroegípcio que acompanhou a Folha durante os últimos 20 anos fiquei muito impressionado. Devo levantar meu chapéu e me curvar pela grandeza do jornal.
NAGIB NASSAR,
LEIA MAIS CARTAS NO SITE DA FOLHA - SERVIÇOS DE ATENDIMENTO AO ASSINANTE: OMBUDSMAN: Colunistas Só uma questão não me pareceu colocada de forma muito clara no brilhante texto de Mário Sérgio Conti. É certo que “a família ilustre corrompeu a ditadura, a Nova República, o Brasil Novo, o neoliberalismo, o petismo, deu R$ 10 milhões a Temer”. Mas todos os envolvidos aceitaram ser corrompidos, de bom grado em muitos casos. Não há corruptores sem corrompidos, ou vice-versa (“O Itamaraty e a Casa de Odebrecht”, “Poder”, 27/12).
ALEXANDRE EFFORI DE MELLO
Tendências/Debates Não é correto que Rubens Figueiredo assine como “cientista político”. Seu texto o qualifica melhor como “humorista”. Fazendo graça sobre a tragédia que é a destruição da democracia e do ensaio de Estado social no Brasil (“O fenômeno Temer”, “Opinião”, 27/12).
LUIS FELIPE MIGUEL
Finalmente uma descrição realista de Temer sem sonegar-lhe os méritos. Pena que a maior parte dos brasileiros e quase a totalidade da mídia prefiram um “performer” que lhe dê assunto a alguém que vai e faz.
CLEIDE BRAGLIOLLO
Patético, é só o que se pode dizer do artigo de Rubens Figueiredo. O cientista político tenta negar que o seu “fenômeno” é criticado por decisões tão impopulares quanto desacertadas, está assessorado por figuras com pendências judiciais (com sobras para o próprio “fenômeno”) e tem popularidade tão desgastada que evita eventos públicos para não ouvir as vaias que faz por merecer.
GERALDO OLIVEIRA C. JÚNIOR
Boas Festas A Folha agradece e retribui os votos de boas-festas recebidos de Felipe Clemente Santos, diretor-presidente da Apae de São Paulo (São Paulo, SP), de Múcio Aguiar, presidente da Associação de Imprensa de Pernambuco (Recife, PE), da Maxpress (São Paulo, SP), da Editoria Intrínseca (São Paulo, SP) e de Ana Tereza Calleja (São Paulo, SP).