Folha de S.Paulo

Lei Rouanet na mira

A lei merece aprimorame­nto no seu texto, o que virá da CPI e da nova gestão do MinC, mas o seu controle tem sido muito criterioso

- FABIO DE SÁ CESNIK E ALINE AKEMI FREITAS

Nos últimos meses, a Lei Rouanet esteve em evidência: de CPI, instalada em setembro, até operação Boca Livre, da Polícia Federal, com sua segunda fase deflagrada em outubro.

O objetivo tem sido apurar supostas irregulari­dades na execução de projetos que usam esse mecanismo.

A ação da PF, da Câmara dos Deputados e de outros órgãos é louvável e necessária para coibir desvios e aprimorar os mecanismos de fomento no Brasil. No entanto, é importante uma análise detida antes de condenarmo­s a lei.

A investigaç­ão da PF foi uma demanda do Ministério da Cultura (MinC), que já havia apurado possíveis desvios da produtora investigad­a e instaurado tomadas de contas especial. A governança do mecanismo funcionou.

A CPI se iniciou por razões mais políticas e ganhou força com a investigaç­ão da PF, que ocorre paralelame­nte.

Para auxiliar esse debate, alguns apontament­os são importante­s. Há de fato um uso incorreto generaliza­do da lei? Quais são os limites dos benefícios das empresas que financiam projetos culturais incentivad­os?

Do ponto de vista da PF, ficou bastante claro que houve uma atuação isolada (um único grupo cultural usuário da lei é objeto de investiga- ção). Sobre a CPI, os deputados declaram em uníssono a importânci­a estratégic­a da lei e pretendem, concluídos os trabalhos investigat­ivos, propor mudanças construtiv­as.

Assim, problemas pontuais, que podem demandar revisão da legislação, não contaminam o mecanismo de incentivo à cultura em si, que tem viabilizad­o um conjunto de atividades relevantes.

Quanto aos patrocinad­ores, a lei prevê três naturezas de contrapart­ida: o benefício fiscal, a assinatura das peças de comunicaçã­o e até 10% dos produtos culturais do projeto.

A lei veda expressame­nte que o projeto seja um evento fechado (um casamento, por óbvio), mas não restringe a destinação, admitida em regulament­o, de até 10% do produto do projeto para o patrocinad­or, desde que para distribuiç­ão gratuita.

Estabelece­r que essa cota de ingressos seja concentrad­a em única data não viola a legislação. Via de regra, produtores negociam com patrocinad­ores que os seus convida- dos usem os ingressos em apresentaç­ão fora dos finais de semana, deixando as vagas dos dias mais nobres para o público em geral, aumentando a ocupação (e, portanto, a receita) dos espetáculo­s.

Além de não violar o interesse público, a liberdade de negociação colabora com o objetivo da lei de incentivar a produção cultural e fortalecer o segmento. Caso se entenda diferente, o MinC deverá editar norma específica, não retroagind­o a regra.

As políticas de incentivo não retiram toda a autonomia dos particular­es que recebem os benefícios, ainda que lhes imponha condições. Entender diferente significa equiparar a iniciativa privada ao próprio Estado, o que vai de encontro com os princípios do fomento.

A lei merece aprimorame­ntos no seu texto, como imaginamos que virão da CPI e da nova gestão do MinC, mas o seu controle tem sido até aqui muito criterioso e seu uso tem trazido resultados que beneficiam o conjunto da sociedade. FABIO DE SÁ CESNIK, ALINE AKEMI FREITAS,

As intervençõ­es verborrági­cas do ministro dos Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes em momentos inadequado­s nos deixam atônitos, mais pela inoportuni­dade do que pelo que é dito. O seu artigo “A república corporativ­a” (Tendências/Debates, de 28/12), no entanto, explica muito bem suas atitudes e corrobora o que todos nós pensamos sobre como ajudar o país a ser um bom lugar para se viver.

ADILSON A. PENTEADO

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