TRANSIÇÃO PAULISTANA OS DORIAS DA BAHIA
Muito antes de João Doria Jr. (PSDB) se eleger prefeito de São Paulo, seu pai foi marqueteiro de políticos e deputado federal em seu Estado natal; em 1964, teve o cargo cassado e foi perseguido pela ditadura
DE SALVADOR
Numa suíte do Hotel da Bahia, primeiro cinco estrelas de Salvador, João Doria Jr., então com quatro anos, fez um acordo com pai: podia ficar acordado até tarde e comer tudo o que tinha na geladeira, desde que não saísse do quarto.
O ano era 1962, e o publicitário João Doria, pai do hoje prefeito eleito de São Paulo, pegaria a estrada para participar de comícios na região do Recôncavo Baiano.
Doria pai já era um profissional reconhecido em São Paulo quando voltou à terra natal para estrear na política. Foi eleito suplente de deputado federal pelo Partido Democrata Cristão da Bahia e assumiu o mandato meses depois.
Na tribuna da Câmara dos Deputados, defendia o presidente João Goulart e bradava contra o imperialismo. Era sub-relator de uma CPI que investigava a influência do capital norte-americano no financiamento de campanhas políticas no Brasil em 1963.
O protagonismo na CPI custaria caro: foi alvo do primeiro Ato Institucional e um dos primeiros deputados cassados após o golpe militar de 1964.
Mas o posicionamento nacionalista e de esquerda não era a única marca de João Agripino da Costa Doria.
Com mente inquieta e inovadora, Doria pai foi um homem de muitas facetas. Formou-se em direito, foi jornalista e publicitário, virou marqueteiro de campanhas eleitorais, entrou na política e terminou a vida como psicólogo.
Era filho de uma família tradicional da Bahia: o clã Costa Doria veio de Portugal com Tomé de Souza, primeiro governador geral do Brasil, para fundar a cidade de Salvador em 1549. JOÕES Da família, surgiriam três gerações de Joões Dorias que entrariam para a política. O primeiro foi o bisavô do prefeito eleito de São Paulo, médico que foi vereador e chegou a ser prefeito-tampão de Salvador por dois meses, entre outubro e novembro de 1895.
A segunda geração da política veio com João Doria pai, que antes de colocar seu nome nas cédulas, fez história como publicitário.
Trabalhou na Standard Propaganda, agência norteamericana, de onde saiu para fundar sua própria empresa, a Doria Associados.
Foi o criador do Dia dos Namorados no Brasil, numa ação para alavancar o comércio em 1949. E não seguiu os americanos: escolheu 12 de junho, véspera do dia de Santo Antônio, o casamenteiro.
“Doria foi um dos grandes publicitários que o Brasil já teve. Era o Nizan Guanaes, o Washington Olivetto de sua época”, lembra o jornalista baiano Sebastião Nery, que fez campanha para deputado estadual em 1962 em dobradinha com Doria pai. MARQUETEIRO Em 1958, iniciou uma trajetória pioneira no marketing político, comandando a vitoriosa campanha do industrial Cid Sampaio para o governo de Pernambuco.
Dois anos depois, quis fazer do então governador da Bahia Juracy Magalhães candidato a presidente pela UDN. Juracy disputou a indicação com Jânio Quadros, que rodava o país com o lema da vassoura “para varrer a bandalheira”.
Em contraposição, Doria criou o slogan: “A UDN não precisa de vassoura. Juracy é limpo”. Mas a aliança de Jânio com Carlos Lacerda, então governador da Guanabara, frustrou a candidatura do governador baiano.
Em 1962, criou o slogan de Osório Vilas Boas, candidato a prefeito de Salvador: “Osório e o povo contra o resto”. E partiu para o outro lado do balcão, lançando-se candidato a deputado federal.
Desconhecido, espalhou cartazes pelas principais cidades do Estado: “João Doria vem aí”. Uma semana depois, substituiu: “João Doria vai chegar”. E depois de despertar a curiosidade de meia Bahia, tascou sua foto e a frase: “João Doria chegou”.
“Era uma campanha completamente inovadora para a época”, lembra o ex-deputado federal Domingos Leonelli, que conviveu com Doria naquele período.
Anos depois de ter o mandato cassado e dias antes de partir para o exílio na França, resolveu aprontar com o governo do general Costa e Silva. Juntou um grupo de amigos, entre eles Sebastião Nery e Leonelli, e redigiu uma versão satírica do que seria o Ato Institucional 2.
O texto serviu de base para uma crônica publicada por Carlos Heitor Cony, atualmente na Folha e então colunista do “Correio da Manhã”, que recebeu a ideia numa folha de papel sem nenhuma assinatura entregue à Redação do jornal.
Artigo primeiro: “A partir da publicação deste Ato, os Estados Unidos do Brasil passam a denominar-se Brasil dos Estados Unidos”. Era, mais uma vez, o gênio publicitário em sua luta contra o imperialismo.
Morreu em 2000, sem ver o filho filiar-se ao PSDB e iniciar sua trajetória política na maior capital do país.