Folha de S.Paulo

Queimando a libido

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RIO DE JANEIRO - Os 60 anos da estreia em São Paulo de “Ao Balanço das Horas”, primeiro filme a mostrar “a dança selvagem do rock and roll”, em dezembro de 1956, tornam hoje deliciosas as reportagen­s a respeito nos jornais da época. Segundo estes, houve “cenas deprimente­s” num cinema da rua Augusta, com os jovens batendo os pés, dançando nas cadeiras, quebrando tudo e desafiando a polícia, para a qual a plateia tinha de se comportar como se assistisse a “A Dama e o Vagabundo”.

Não era algo espontâneo. O filme vinha provocando essa reação desde seu lançamento nos EUA, oito meses antes, estimulada pelos produtores, e cada cidade tentava se superar em tumulto. Um delegado paulistano colaborou subindo a censura do filme, de 14 para 18 anos — na Finlândia, era 8. Ao assisti-lo hoje, você concordará com os finlandese­s.

“Ao Balanço das Horas” existe em DVD no Brasil. É um humilde filme C — seu diretor, Fred Sears, fazia os faroestes do Durango Kid. Dura 77 minutos, metade deles música. Bill Haley e seus Cometas tocam oito números, entre os quais “Rock Around the Clock” (já estourado na trilha de “Sementes de Violência”, um ano antes), “See You Later, Aligator” e “RazzleDazz­le”. Tudo em ostensivo playback.

O simpático Haley tinha 30 anos, era cego de um olho, usava um pega-rapaz na testa e já começara sua carreira de pai extremado — dez filhos! O melhor de sua música era a forte marcação rítmica, que realmente convidava a dançar, e o saxofonist­a Rudy Pompilli. Mas Haley foi apenas o primeiro branco a se dar bem com o rhythm and blues que os negros já tocavam, só que agora chamado de rock and roll.

Quanto àquela dança acrobática, era também o mesmo jitterbug que já vinha das big bands dos anos 30 e 40, e não era para qualquer um. Mas servia para os meninos queimarem a libido. ANDRÉ SINGER avsinger@usp.br

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