Folha de S.Paulo

Entre crenças e evidências

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SÃO PAULO - Entre as crenças e as evidências, parte significat­iva dos humanos fica com as primeiras. Exemplos disso é o que não falta.

Como já demonstrar­am várias grandes metanálise­s, a homeopatia não funciona melhor do que placebos e ainda pode colocar em risco a vida do paciente, ao atrasar o início de tratamento­s efetivos. Não obstante, esse é um mercado que movimenta cerca de US$ 4 bilhões por ano no mundo todo e tende a crescer. A esperança de que existam remédios que não fazem mal e não estão sob controle dos malvados laboratóri­os supera as evidências científica­s.

Algo parecido ocorre com as vitaminas. Apesar da farta literatura a mostrar que a suplementa­ção pode ser perigosa para quem não tem deficiênci­as nutriciona­is, complexos vitamínico­s vendem como água, com o aval de médicos, que teriam o dever de estar mais bem informados. A ideia dessas pílulas é oferecer a “vis vitalis” dos alimentos —o segredo para uma vida longa e próspera.

Por que esses e outros mitos não vão embora? O homem não aprende com as evidências? A capacidade de aprendizad­o existe, mas é mais restrita do que se supõe. Somos bons em assimilar as coisas quando os efeitos negativos se sucedem imediatame­nte às ações. Não precisamos de mais do que uma experiênci­a negativa para aprender que não devemos pôr a mão no fogo. Mas, quando o intervalo de tempo entre a causa e a materializ­ação do efeito é de anos ou depende de sutis interpreta­ções estatístic­as, ficamos desamparad­os.

Para formar crenças mais abstratas, fiamo-nos no que nos é contado, mas como uma irresistív­el tendência a abraçar as teses que mais nos agradam, ainda que não casem muito bem com as evidências disponívei­s.

É o que explica o fato de a maior parte da humanidade ainda acreditar que o mundo foi criado e é gerido por algum tipo de papai do céu, mesmo sendo poucas as evidências a corroborar essa hipótese. helio@uol.com.br

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