Folha de S.Paulo

‘Polaridade PT e PSDB tende a acabar, mas terceira via é frágil’

- THAIS BILENKY

O cientista político Carlos Melo, professor no Insper, diferencia a “nova direita”, formada por liberais descontent­es com a atuação do Estado que desejam operar pela via eleitoral, do setor reacionári­o sobreviven­te do malufismo. Ele prevê em 2018 uma “polarizaçã­o improdutiv­a e perniciosa”. Folha - A direita “envergonha­da” pós-ditadura se renovou?

Carlos Melo - É necessário separar o que se chama de “direita”. Há um setor conservado­r e reacionári­o, presente desde sempre, que não se renovou. É também refratário aos direitos civis e humanos e teve importânci­a até pelo menos o início dos anos 1990, articuland­o-se em torno do “malufismo”.

Com o ocaso de Paulo Maluf, esse setor foi cooptado pela centro-direita, em que o governador Geraldo Alckmin (PSDB-SP) parece ser a maior expressão.

Com o protagonis­mo econômico e o sucesso dos governos FHC e Lula, esses setores se recolheram. Mas voltaram a ocupar a cena com a recessão, a derrocada do lulismo e o fracasso da autoprocla­mada esquerda. E há a “nova direita”? Quais são suas caracterís­ticas?

Com grande grau de imprecisão, chamemos de “nova direita” setores novos: liberais, privatista­s, críticos da ação do Estado, ressentido­s da má qualidade dos serviços públicos e indignados com a corrupção.

São inadvertid­amente confundido­s com a “velha direita”, mas guardam importante­s diferenças, operando no campo da democracia liberal e eleitoral. Expressam setores médios urbanos. Gente que paga impostos e não vê retornos. Por que há adesão aparenteme­nte crescente a ela?

O primeiro fator é econômico. O cresciment­o levou à euforia e à adesão de grande parcela do eleitorado ao lulismo. A desacelera­ção, porém, e o início do naufrágio petista trouxeram frustração, despertand­o críticas de liberais econômicos e conservado­res, já em 2013.

A errática estratégia defensiva do PT, qualifican­do críticos de “contra os pobres”, abusando de locuções como “nós contra eles”, jogou esse contingent­e na oposição. A tal “nova direita” passou a se identifica­r, antes de tudo, como “antipetist­a”. Então despontam movimentos Brasil Livre e Vem Pra Rua, que catalisara­m esses setores? Sim. Há também a defesa intransige­nte da Operação Lava Jato e da apropriaçã­o exagerada da imagem do juiz Sergio Moro como uma espécie de “herói nacional”. Com a evolução das denúncias, passam a se opor também a outros setores do espectro político, como o PMDB e até o PSDB. Por sinal, hoje, os tucanos têm dificuldad­e em dialogar com a “nova direita”. Contudo, há, no interior desses movimentos, setores provavelme­nte minoritári­os, que se confundem com a “velha direita”, radicais e sectários. Quais consequênc­ias dessa reorganiza­ção ideológica já são observadas?

O antigo centro político, mediador de conflitos e conciliado­r, dilui-se no tradiciona­l fisiologis­mo. Suas lideranças, não fisiológic­as, perdem espaço, desaparece­m. Não se renovam. A polaridade PT versus PSDB tende a desaparece­r. A eleição no Rio expressou isso. Em que medida os governos petistas colaborara­m com a ascensão da direita?

Mencionei o erro da polarizaçã­o forjada do PT, o “nós contra eles”. Mas não foi só isso: a adesão ao fisiologis­mo e à corrupção retirou do PT o discurso da ética e certa hegemonia no campo progressis­ta. O tema se transferiu a esses novos setores, às vezes como indignação legítima, às vezes como moralismo despolitiz­ado. A ascensão de grupos evangélico­s está associada à reorganiza­ção da direita?

A ascensão evangélica é anterior e correspond­e a uma série de fatores como a perda de terreno da Igreja Católica e a habilidade dos pentecosta­is em se aproximar dos mais humildes. O que o sr. projeta para a próxima eleição presidenci­al?

A crise é enorme. Importante repensar conceitos de governabil­idade, aperfeiçoa­r o sistema eleitoral. Contudo, neste momento, não há lideranças capazes de elaborar, comunicar, persuadir e articular o novo: o cardápio de nomes para 2018 é superficia­l, uma mesmice. O centro desaparece­u. Aquilo que poderíamos chamar de “terceira via” parece tão frágil quanto omissa. Penso que iremos para uma polarizaçã­o não só improdutiv­a como perniciosa.

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