Folha de S.Paulo

Criticada, igreja filipina expõe fotos de assassinat­os

Imagens de vítimas da guerra às drogas promovida pelo presidente Rodrigo Duterte vão circular pelo país

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

Os que chegavam para as missas de Natal estranhava­m.

No pátio da mais famosa igreja de Manila, Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, 100 ampliações gigantes mostravam crianças em desespero, poças de sangue, torsos de cadáveres ou policiais de fuzil em punho.

Em montagens de 60 cm X 90 cm, as imagens retratam vítimas da guerra às drogas deflagrada pelo presidente filipino, Rodrigo Duterte, desde sua posse, em julho.

Ladeavam o corredor de entrada por onde passam diariament­e 50 mil pessoas na semana natalina (a igreja fica aberta —e é frequentad­a— 24h/dia, 365 dias por ano). À SOMBRA DA MORTE A exposição, batizada de Vigília à Sombra da Morte, tem trabalhos de seis fotojornal­istas que fazem o turno da noite. Segundo a polícia nacional, 6.214 haviam sido mortos em operações antidrogas ou por grupos de extermínio até esta quinta (29) .

A ideia da exposição apareceu quando frei Jun Santiago, um dos religiosos redentoris­tas da igreja Baclaran (como é conhecida), passou a acompanhar os fotojornal­istas no Distrito Policial de Manila, no começo do mês.

O frade não entendia por que tanto protesto contra o enterro de Ferdinand Marcos (cuja ditadura deixou cerca de 5.000 mortos de 1965 a 1986) no cemitério dos heróis, mas tanto silêncio sobre as vítimas da guerra à drogas.

Os repórteres sugeriram, então, uma exposição de “deixasse clara a brutalidad­e da ação do governo”, segundo um dos organizado­res, Vincent Go. A igreja pagou a impressão. O evento custou US$ 800 (cerca de R$ 2.500) e ficou aberto até sexta (30). PENA E RAIVA A reação, segundo Go, foi mista: pena, raiva, críticas pela exposição de violência bem no Natal e apoio pela atitude dos redentoris­tas.

A Igreja Católica —seguida por 80% dos habitantes do país, 18º maior índice no mundo— tem sido acusada por alguns de omissão.

Instituiçã­o mais antiga do país (presente desde que o navegador Fernão de Magalhães chegou ao arquipélag­o, em 1521), foi uma das principais forças de oposição à ditadura de Marcos.

Seus críticos afirmam, porém, que perdeu credibilid­ade entre os filipinos e tem se acovardado no enfrentame­nto da guerra às drogas, com medo de mais desgaste.

Mais de 80% da população aprova a política de Duterte, que, por sua vez, ataca a Igreja Católica (leia ao lado). PALAVRA “O que podemos fazer é persuadir com nossas palavras”, disse à Folha em novembro o bispo de Manila, Broderick Soncuaco Pabillo.

Nas missas de Baclaran, as palavras acompanhar­am as imagens. “Não podemos fechar os olhos. A Sagrada Família está na imagens das vítimas dos assassinat­os extrajudic­iais”, ouviu-se numa das missas, relatada pelo site noticioso “Rappler”.

“Alguns nos criticaram por assustar as crianças numa semana que deveria ser de felicidade”, disse ao site o reitor de Baclaran, Joseph Ecano.

“Isso é escapismo. O Natal não é só alegria. Jesus nasceu em meio ao caos, à lama e à dor para ensinar amor ao próximo”, rebateu Ecano, que diz ter votado em Duterte.

Outras oito paróquias de várias regiões do país pretendem abrigar a exposição.

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Fotos Vincent Go/Folhapress Fieis veem exposição na igreja de Baclaran, em Manila
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Foto mostra familiares de vítima da guerra às drogas

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