Merkel termina ano em posição delicada
Depois de um 2015 como incontestável, chanceler alemã perdeu popularidade e viu a oposição se fortalecer em 2016
Ataques terroristas e crise de refugiados pressionaram Merkel; ela continua, porém, favorita a se reeleger
Não é só você que torce ardorosamente pelo fim de 2016. O ano que termina neste sábado (31) não deixará com saudades a chanceler alemã, Angela Merkel, 62.
Nos últimos 12 meses, ela viu seus índices de aprovação recuarem ao nível mais baixo em seis anos, em grande parte devido à sua política de portas abertas aos refugiados, fustigada pela oposição —que se fortaleceu, com a ascensão do partido populista de direita AfD (Alternativa para a Alemanha).
“O fato de que 2016 termina mais problemático para Merkel do que 2015 está relacionado a três fatores, todos relacionados entre si”, afirma o cientista político Tom Mannewitz, da Universidade Técnica de Chemnitz.
A série de ataques contra mulheres no Réveillon em Colônia por jovens de aparência árabe foi o estopim, avalia Mannewitz, para a opinião pública se voltar contra os imigrantes. Em 2015, a Alemanha recebeu quase 1 milhão de refugiados, número que, de janeiro a novembro deste ano, já soma 723 mil.
O medo do terrorismo, o segundo fator, ganhou força depois de atentados em Munique, em julho, e em Berlim, na semana passada. A AfD responsabilizou Merkel pessoalmente pelos ataques.
O partido anti-imigração teve seu melhor ano em 2016 —o terceiro grande problema para a chanceler. Sua legenda, a conservadora CDU (União Cristã-Democrata), venceu apenas 1 das 5 eleições regionais, e amargou um terceiro lugar no Estado que é berço político da mulher que lidera a Alemanha desde 2005.
Para Mannewitz, essas derrotas indicam “grande descontentamento da população e enfraqueceram o papel de Merkel na União”, como é conhecido o bloco cristão, formado pela CDU e pelo seu partido-irmão, a CSU (União Cristã-Social), da Baviera.
Vem desse Estado alemão, aliás, outra fonte de dor de cabeça. O governador Horst Seehofer, líder da CSU, é crítico ferrenho da política de refugiados de Merkel e defende um limite de entrada de 200 mil solicitantes de asilo.
“Merkel tem sorte de, até o momento, não haver rivais internos que possam desafiála”, afirma o cientista político Gero Neugebauer, da Universidade Livre de Berlim.
Acostumada a índices de aprovação na casa dos 70%, Merkel começou este ano com 58%, chegou a 45% e termina o ano bem avaliada por 57% dos alemães. A pesquisa, no entanto, foi divulgada antes do ataque em Berlim, que deve impactar de forma negativa os números que serão divulgados em janeiro.
As notícias que chegaram de fora em 2016 também não ajudaram Merkel, que perdeu importantes aliados, a começar pelo premiê britânico David Cameron, que renunciou depois de o Reino Unido votar pela saída da União Europeia. Neste mês, foi a vez do premiê italiano, Matteo Renzi, que também renunciou.
A alemã inicia 2017 com outras duas despedidas à vista. Barack Obama deixará a Casa Branca em janeiro. Com dis- curso inflamado contra imigrantes, o presidente eleito dos EUA, Donald Trump, é visto com bons olhos pela AfD.
Em abril, os franceses escolherão seu próximo presidente, e uma coisa é certa: ele não será François Hollande, o atual mandatário, que tem índices pífios de popularidade e decidiu não se candidatar.
Com a perspectiva de vitória da centro-direita, representada por François Fillon, ou da extrema-direita, capitaneada por Marine Le Pen, Merkel perderá um aliado fundamental no campo pró-UE.
Apontada em 2015 como “chanceler do mundo livre” por seu papel de liderança na crise do euro e dos refugiados, a alemã termina este ano como o último bastião do liberalismo ocidental frente ao avanço do populismo.
Depois de um 2016 turbulento, 2017 não promete calmaria para Merkel, que tentará, em setembro, um quarto mandato. Mas, caso reeleita, ela começará a se igualar ao seu padrinho político, o ex-chanceler Helmut Kohl (1982-98), que liderou a Alemanha por 16 anos, como o mais longevo chefe de governo alemão do pós-guerra.