De seus funcionários.
Em 17 de outubro, todos os funcionários da Dentsu —a maior agência de publicidade japonesa e possivelmente a companhia mais influente do país— receberam uma mensagem de Tadashi Ishii, o presidente da empresa, e ela soava catastrófica.
“A maneira aprovada de trabalhar em nossa companhia é inaceitável para todas as partes interessadas, entre as quais as autoridades”, dizia o memorando, segundo a imprensa do Japão.
A mensagem veio um mês após a Dentsu ser apanhada em um escândalo de superfaturamento que prejudicou centenas de clientes e dias depois que surgiram informações sobre o suicídio de uma trainee de 24 anos na agência por excesso de trabalho.
E surpreendeu por vir de um líder empresarial que personificava vigorosamente a cultura descrita em termos negativos no comunicado.
Nesta semana, Ishii, 65, foi um passo além. Assumindo a responsabilidade pelo suicídio de Matsuri Takahashi, o presidente anunciou sua renúncia, em meio a investigações policiais e ao feroz debate sobre os perigos da cultura de trabalho excessivo.
Em entrevista, ele admitiu que a cultura da Dentsu era a de não recusar trabalho, não importa o quanto a equipe estivesse sobrecarregada. “Tudo que se referia a isso”, disse. “Era excessivo.”
Ao assumir o comando, em 2011, Ishii liderou a transformação de uma empresa cujo domínio sobre o mercado publicitário era alicerçado em expectativas inflexíveis quanto ao esforço da equipe. INTERNACIONALIZAÇÃO Foi ele que comandou a aquisição da agência britânica Aegis, por £ 3,2 bilhões (cerca de R$ 12,9 bilhões, atualmente), em 2013 —o que fez a Dentsu ter uma atuação verdadeiramente internacional— e uma série de aquisições posteriores.
Ele também estava à frente quanto a agência criou uma estratégia digital.
Mas manter as tradições de jornadas de trabalho fatigantes, entretenimento suntuoso para os clientes, devoção total à causa e agressividade incansável nos negócios, dizem atuais e antigos funcionários, era visto como essencial para a transformação da companhia, e Ishii estava no comando do processo.
Figuras do setor, ressaltando a conhecida proximidade entre ele e o partido governante japonês e o papel central da Dentsu na Olimpíada de Tóquio, em 2020, sugeriram que sua renúncia pode ter acontecido com a aprovação do primeiro-ministro Shinzo Abe, cujo governo tenta se apresentar como simpático aos trabalhadores.
No entanto, mesmo de saída e enquanto sua empresa passava a ser retratada como mau exemplo de despotismo empresarial e trabalho excessivo, Ishii não conseguiu evitar uma ponta de orgulho em sua admissão de culpa. A Dentsu, disse, exigia “120%” instrução mais conhecida do manual interno da Dentsu, conhecido como ‘os 10 princípios do diabo’ ATÍPICO Avesso à mídia, discreto, mas bem relacionado nos escalões superiores da política e dos negócios japoneses, Ishii nem sempre foi considerado como o herdeiro perfeito para o império Dentsu.
Atípico desde o começo, promoveu agressivamente a transição internacional e digital da Dentsu sem ser dominado por tabus e tradições da empresa, segundo pessoas que trabalharam com ele.
Sua indicação em 2011 chocou clientes, já que ele foi o primeiro presidente-executivo do mercado japonês egresso do marketing. Os predecessores de Ishii nos 110 anos desde a fundação da agência vinham da publicidade jornalística, uma forma de satisfazer a Kyodo e a Ijii —as duas maiores agências de notícias do país e as maiores acionistas da Dentsu.
Analistas dizem que a escolha de Ishii, que estudou na Universidade Sophia, de foco internacional, em lugar das universidades de foco japonês, sinalizava as ambições do grupo de se expandir internacionalmente.
Na presidência de Ishii, o faturamento internacional da Dentsu cresceu para 54% das vendas totais de 819 bilhões de ienes (US$ 7 bilhões), ante 18% antes da aquisição da Aegis. A publicidade digital responde por 34%.
Isso foi parte do problema, dizem fontes próximas à companhia; o avanço rumo ao exterior e a transição digital expuseram falhas na cultura interna da Dentsu. Ishii por acaso era o homem que estava no comando quando elas foram expostas. PRINCÍPIOS DO DIABO Mas, apesar de sua aparente disposição de romper com o passado, Ishii era tanto uma criatura da cultura da empresa quanto seu inflexível guardião. A “forma aprovada de trabalho” da Dentsu, dizem analistas, foi especificamente aprovada por Ishii e gerações de predecessores.
Ishii, como todos os demais funcionários, aprendeu o modo Dentsu de trabalho por meio de um manual interno conhecido como “Oni Jussoku” —“os 10 princípios do diabo”—, redigido por um presidente da empresa em 1951. A mais notória de suas instruções: “Jamais desista de uma tarefa até que atinja seu objetivo, mesmo que precise morrer tentando”.
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Jamais desista de uma tarefa até que atinja seu objetivo, mesmo que precise morrer tentando
PAULO MIGLIACCI