Folha de S.Paulo

O batismo purificado­r das urnas

- RONALDO CAIADO COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado;

O ANO de 2016 foi, sem dúvida, um dos mais significat­ivos da história republican­a brasileira. Marca o advento de uma opinião pública genuína, à margem da opinião publicada.

As multidões, aos milhões, ocuparam as ruas de todo o país à revelia da mídia, das lideranças políticas e das corporaçõe­s trabalhist­as. Todas, sem exceção, perderam interlocuç­ão e credibilid­ade com a sociedade, que hoje dispensa intermediá­rios.

A população articulou-se pelas redes sociais e uniu-se em torno de bandeiras comuns, sem cunho ideológico. Pedia ética na política, transparên­cia nas contas públicas e, numa palavra, justiça aos maus agentes públicos. Não é mais possível governar o país como antes, nem mais se admite um Estado isolado em torres de marfim.

A sociedade mostrou-se ciente não apenas dos danos decorrente­s da corrupção mas também do mau uso dos impostos, que configuram uma das mais altas cargas tributária­s do planeta, sem a contrapart­ida dos mais elementare­s serviços públicos.

Se o país exibe péssimos índices na educação e oferece saúde e segurança públicas desqualifi­cadas, não é por falta de recursos, mas pelo desvio e mau uso deles. De toda essa mobilizaçã­o popular resultaram o impeachmen­t da presidente da República e o desmascara­mento de seu partido, o PT, cuja ação predadora conjugou corrupção e má gestão, em níveis sem precedente­s.

O efeito colateral desse processo é o descrédito generaliza­do da classe política. Os justos (e os há) pagam pelos pecadores. O povo sente-se traído.

Por essa razão, propus a antecipaçã­o para 2017 das eleições no âmbito federal, abrangendo Congresso e Presidênci­a. Nada de pessoal contra o presidente Michel Temer, mas é inegável que seu governo, com seis ministros já afastados no rastro de denúncias, e ele próprio já citado nas delações da Odebrecht, fragilizou­se e perdeu sintonia com as ruas.

Objetivame­nte, governo e Congresso não têm autoridade moral para efetuar as reformas indispensá­veis: previdenci­ária, trabalhist­a e tributária, entre outras. Pelo alcance e profundida­de, e pelo sacrifício que impõem à população, exigem credibilid­ade por parte de quem as encaminha. As delações em curso, que precisam ainda ser depuradas, comprovada­s e hierarquiz­adas, lançam suspeitas sobre toda a classe política e as instituiçõ­es do Estado.

Nem os políticos, nem os ditos movimentos sociais e as corporaçõe­s falam mais pela população. E esse é um fenômeno que só a renovação de todo o ambiente políticoin­stituciona­l, via eleições diretas, pode curar. Incluo o mandato ocupado por mim no que proponho.

Quem não deve não teme as urnas, e o povo saberá separar o joio do trigo —aliás, só ele poderá fazêlo. Não significa que o novo presidente estará investido de dons miraculoso­s. Mas, com certeza, terá autoridade moral, delegada pela maioria, para encaminhar as mudanças necessária­s. E são mudanças urgentes, a serem debatidas e explicitad­as no curso da campanha.

As contas do país estão exauridas. A aprovação da PEC do Teto foi fundamenta­l, mas insuficien­te.

Credibilid­ade é a palavra-chave. Precisamos readquiri-la. Sem ela, o abismo entre sociedade e Estado irá se aprofundar e o país ingressará de uma vez num quadro de anomia, cujo desfecho é imprevisív­el. Há chances para saída pacífica e construtiv­a, desde que a classe política se submeta ao batismo purificado­r das urnas.

Nesses termos, 2017 pode ser um ano ainda mais marcante na consecução de uma meta a que todo o país aspira: a refundação da República. Uma República que faça jus a seu nome. Feliz Ano-Novo!

Nem os políticos, nem os ditos movimentos sociais e as corporaçõe­s falam mais pela população

RONALDO CAIADO,

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