Folha de S.Paulo

Virada pelo avesso

- LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Guilherme Wisnik; terça: Rosely Sayão; quarta: Jairo Marques; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Luís Francisco Carvalho Filho; domingo: Antonio Prata

As semelhança­s entre o prefeito que sai e o que chega ajudam a explicar por que São Paulo é tão feia

MUDA O prefeito mas, em relação aos pedestres, nada muda.

Haddad, o prefeito que sai, tem o reconhecim­ento (não do eleitor, que lhe impôs fragorosa derrota) de ter trabalhado pela mobilidade urbana. Criou corredores e faixas exclusivas de ônibus, ciclovias, reduziu limites de velocidade, proibiu automóveis na avenida Paulista aos domingos, mas as calçadas de São Paulo são horrorosas.

É possível melhorar a relação do cidadão com a cidade se o espaço público mais imediato é um lixo? O fluxo de pedestres não deveria ser objeto do pensamento de urbanistas e da própria disputa eleitoral?

Mas não há meta para calçadas. No balanço que a Folha publicou no domingo sobre a gestão Haddad a palavra pedestre simplesmen­te não aparece, o que revela um descaso de mão dupla –do jornalismo e do governante.

Doria, o prefeito que assume amanhã, também não se interessa pelo tema. Em recente entrevista, prometeu mutirões para reformar as calçadas da cidade. Mutirões? Vai ter também mutirão para o recapeamen­to das avenidas ou para a recuperaçã­o dos viadutos ou para a construção de creches? Não, claro que não. Mutirão, em matéria de política urbana, é enganação ou piada.

A melhoria das calçadas de São Paulo depende de projeto, de bom gosto e de muita vontade política, não de encenação tosca, com prefeito e secretário­s fantasiado­s de gari.

A cidade de Nova York mapeou todas as suas árvores com um grau de detalhamen­to que permite identifica­r o valor ecológico e econômico de cada uma delas. Para os sucessivos prefeitos de São Paulo, árvores são um estorvo, atrapalham os fios, a praga urbana que empresário­s (amigos dos prefeitos, independen­temente da ideologia) têm cultivado sem cerimônia e impunement­e.

Além de pintar de verde uma faixa de asfalto na avenida Liberdade para “ampliar” a calçada entulhada de gente, intervençã­o que, francament­e, não merece prêmio internacio­nal de urbanismo, além de roubar mais espaço de pedestres em favor das bicicletas, Haddad desenvolve­u “projeto piloto” para transforma­r a rua Sete de Abril em calçadão.

Inaugurada em setembro, a obra é medonha. Não se plantou uma única árvore. O revestimen­to, idealizado para substituir as tradiciona­is e bonitas pedras portuguesa­s da região, já está se desfazendo, como coisa velha e gasta. Mas é tamanha a carência de São Paulo que o novo calçadão é um sucesso: em lugar de happy hour de pobre, beleza não faz falta e o material pode ser vagabundo.

O novo prefeito gostaria de concentrar a Virada Cultural no autódromo de Interlagos, a mais de 20 quilômetro­s do centro da cidade. Criada em 2005 justamente para valorizar o centro, para Doria “segurança, acessibili­dade e funcionali­dade” justificam a mudança.

Não é, de certa maneira, uma continuida­de do processo de descaracte­rização da Virada iniciado por Haddad, que, para evitar concentraç­ões, atrair menos público e fazer contenção de risco em ano eleitoral, descentral­izou os espetáculo­s na direção da periferia?

Tão diferentes (Haddad conspirou contra os automóveis, Doria promete governar para os motoristas), as semelhança­s entre o prefeito que sai e o prefeito que chega ajudam a explicar por que a cidade de São Paulo é tão feia. Feliz ano novo. lfcarvalho­filho@uol.com.br

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