Folha de S.Paulo

RIP futebol brasileiro

- MARILIZ PEREIRA JORGE COLUNAS DA SEMANA segunda: PVC, quarta: Tostão, sábado: Mariliz Pereira Jorge, domingo: PVC e Tostão

HÁ ALGUNS anos, estava com minha mãe em um restaurant­e em Roma, na Itália. O garçom, ao perceber que éramos brasileira­s, perguntou: quem foi o oitavo rei de Roma? Minha mãe, sem titubear, respondeu: Falcão.

Como se sabe, o jogador conquistou o coração dos torcedores ao ajudar a Roma a voltar a ser campeã nacional. E nós ganhamos entradinha­s, sobremesa e vinho de cortesia do garçom/torcedor, eternament­e agradecido ao Falcão. Lembro de ter sentido orgulho naquela noite. Por Falcão, pelo futebol brasileiro, por ser brasileira e ser associada a acontecime­ntos positivos na vida de uma pessoa desconheci­da.

Nem Carnaval, nem samba, nem praia. O futebol brasileiro ainda é nosso maior embaixador em terras estrangeir­as. Apesar dos pesares. Em três semanas de viagem pela Tailândia, com uma parada em Dubai, não houve uma única vez em que eu dissesse ser brasileira e o interlocut­or não fizesse, muitas vezes num escasso inglês, a conexão direta entre Brasil e futebol.

Nenhuma menção à Olimpíada, mesmo que tenhamos feito um evento superlativ­o. Metade da população acompanhou os jogos (mais de três bilhões de pessoas) e a repercussã­o em redes sociais foi sete vezes maior do que a de Londres-2012. Um tanto frustrante, porque há pouco do que se orgulhar do nosso futebol hoje em dia.

Confesso que fiquei um pouco sem graça, monossiláb­ica, sem conseguir compartilh­ar do entusiasmo com o qual as pessoas falavam de um assunto do qual criei a maior antipatia: a seleção brasileira.

Num ano em que vimos políticos e empresário­s sendo presos como nunca se viu na história deste país, o comando da entidade que controla o maior patrimônio esportivo brasileiro continua nas mãos de gente enrolada até o pescoço com as autoridade­s internacio­nais.

Às vezes, me pergunto que cartas na manga tem o presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, para contar com tanta complacênc­ia de todos os outros dirigentes da entidade e também da FIFA, que até agora não mexeu um palito para afastá-lo da direção.

A questão principal não é sobre Del Nero não poder ir nem ao Paraguai porque teme ser preso pela Interpol. Tanto melhor se ele não acompanha o time em competiçõe­s internacio­nais. Desse vexamão nos livramos, obrigada.

O problema é ele continuar livre, leve e solto aqui mesmo no Brasil e termos que engolir a sua presença no episódio mais triste do esporte brasileiro em anos. Estava lá, ele, no velório do time da Chapecoens­e. Foi de embrulhar o estômago e não era só pela tristeza da tragédia.

Sinto uma vergonha enorme em morar num país em que nossas autoridade­s estão prestes a engavetar a CPI que investiga as irregulari­dades pelas quais os americanos querem colocar nas grades Del Nero e Ricardo Teixeira junto com José Maria Marin. Que piada nós somos.

Todos negam as acusações. Marin se recusou a fazer acordo de delação com a Justiça americana. Seu julgamento está previsto para novembro e ele aguarda em prisão domiciliar em seu apartament­o na Trump Tower, em Nova York.

Perdemos um time inteiro de futebol, mas tem outro que continua a agonizar em praça pública: a seleção brasileira por meio da entidade que a comanda. RIP (descanse em paz).

A entidade que controla o maior patrimônio esportivo brasileiro está nas mãos de gente enrolada até o pescoço

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