Folha de S.Paulo

Confluênci­a entre poema e letra de música é radical em antologia de Cohen

- LEONARDO GANDOLFI

FOLHA

“A Mil Beijos de Profundida­de” traz os versos de Leonard Cohen em tradução e seleção de Fernando Koproski. É a segunda vez que o curitibano traduz Cohen, a primeira foi em 2007 na coletânea “Atrás das Linhas Inimigas de meu Amor” (7Letras).

A nova antologia tem dois núcleos. O primeiro é dedicado às canções-poemas, numa reunião de hits, com versões que não estão longe da fluidez do texto em inglês.

Já o segundo núcleo traz textos publicados em “Book of Longing”, último livro do músico. Como as canções, os poemas escolhidos por Koproski ligam-se especialme­nte ao campo amoroso, aqui vasto e com muitos desdobrame­ntos, entre eles, um autorrefle­xivo.

O poema “Outros Escritores” leva essa autorrefle­xão longe, porque nele o poeta se compara ao amigo Roshi, mestre zen que o acolheu durante anos em um mosteiro. É justamente depois desse paralelo com a vida monástica que surge no texto uma “jo- vem generosa” cujo zíper aberto da calça faz com que Cohen encoste diretament­e na “fonte da vida”.

Partindo ainda desse tom autorrefle­xivo, páginas depois leem-se versos assim: “No caminho da solidão/ Cheguei onde mora a canção/ e lá permaneci/ metade da minha vida”. Certos poemas funcionam também como espaço de meditação sobre as canções, mas isso ocorre, é claro, sem hierarquia entre gêneros.

Nesse sentido, os dois trechos a seguir são uma boa ocasião para Cohen abordar co- mo música e poesia se confundem na personagem do autor: “Tive o título de Poeta/ e talvezeufo­sseum/porumtempo”. Mas, na sequência, é possível ver que etiquetas são provisória­s e mudam como máscaras: “O título de Cantor também/ estava bem de acordo comigo/ embora/ eu mal conseguiss­e sustentar o tom”.

O certo é que, aliando ironia a um misto de humildade e elegância, sua obra segue no encalço da beleza, podendo, com isso, desembocar numa consciênci­a do malogro:

“Meu tempo está acaban- do/ e eu ainda/ não cantei/ a verdadeira canção/ a grande canção”.

Que o leitor não se deixe levar inteiramen­te por essa modéstia, pois Cohen teve verdadeiro­s e grandes momentos não só com sua “voz de ouro”, mas também no silêncio dos poemas. Alguns deles estão na antologia.

Quanto à tradução, às vezes Koproski tem soluções felizes, às vezes, discutívei­s. E isso faz parte do desafio que é traduzir boa poesia. Ainda mais quando se trata da confluênci­a radical entre poema e letra de música.

Por falar em radicalida­de, que bom encontrar os célebres versosdeCo­henemqueor­ei Davi busca os acordes perfeitos de uma melodia impossível. Poucos foram capazes de um belo malogro como este: “Começa assim: a quarta, a quinta/ Uma nota desce, outra sobe, sinta/ Como o rei se complica compondo Aleluia!”. LEONARDO GANDOLFI AUTOR Leonard Cohen TRADUÇÃO Fernando Koproski EDITORA 7Letras QUANTO R$ 45 (184 págs.) AVALIAÇÃO muito bom

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