Folha de S.Paulo

Expostos em má hora

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RIO DE JANEIRO - Acabou-se o sossego. Fotografad­os de um helicópter­o por uma lente 800 mm, os índios remanescen­tes de uma tribo desconheci­da na fronteira do Acre com o Peru estão agora expostos. Indianista­s suspeitava­m de sua existência, mas não sabiam seu nome, origem, língua, aparência ou hábitos. Hoje, graças às fotos, viu-se que têm pés grandes, usam diferentes cortes de cabelo e aprenderam a tecer e fiar. Mas seus principais instrument­os ainda são o arco e a flecha. Ou seja, não têm a menor chance.

Em breve estarão usando jeans, camiseta e tênis, comendo cheetos, tomando caipiroska, assistindo a “The Voice”, comunicand­o-se pelo face e andando de Uber. Enquanto se deixam seduzir pela civilizaçã­o, suas terras estarão sendo “demarcadas”, espoliadas, desmatadas, esburacada­s e tornadas imprestáve­is para futuro cultivo. Mas quem disse que um dia eles voltarão a elas — ou a qualquer lugar?

Naturalmen­te, não é um problema exclusivo desta tribo, que, para sua má sorte, apenas foi finalmente localizada. Cedo ou tarde, alguém chegaria a ela. O mais assustador é que isso acontece num momento em que, na condição de eminência parda do governo Temer, está o senador Romero Jucá (PMDB-RR), ex-governador de Roraima, ex-líder dos governos Lula e Dilma e velho inimigo dos índios, como mostrou quando foi presidente da Funai (1986-88) no governo Sarney.

Segundo a Comissão Nacional da Verdade, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) e os jornais da época, Jucá, na Funai, teria quase dizimado os ianomâmi. Entregou suas terras na Amazônia e em Roraima a madeireiro­s e mineradore­s que, não contentes, lhes provocaram epidemias fatais. E ainda expulsou os médicos e missionári­os que cuidavam dos coitados.

Pelo histórico de Jucá, e por via das dúvidas, talvez os índios do Acre fizessem bem em ir se esconder no Peru. AÉCIO NEVES

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