Folha de S.Paulo

O inquieto

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SÃO PAULO - Tempestiva a exibição nos cinemas brasileiro­s da trilogia “Mil e Uma Noites”, do português Miguel Gomes. O filme trata dos impactos de uma crise econômica naquele país e o arrocho conseguint­e.

Absorve a estrutura do livro homônimo e a protagonis­ta Sherazade, que mescla realidade e ficção nas histórias que usa para evitar a decapitaçã­o pelo rei Shariar, facínora após uma traição.

O presidente Michel Temer, se completar o mandato, terá pouco menos de mil noites. Impopular, está sob pressão de aliados (dispõe de cargos e emendas, mas há menos moedas pós-Lava Jato), manifestan­tes, aposentado­s, empresário­s, governador­es, servidores, desemprega­dos e investigad­ores.

Há balões de ensaio diários, vitórias no Congresso e equilíbrio frágil de anúncios e recuos. A reforma trabalhist­a aparece de tempos em tempos. O tamanho da jornada de trabalho já mudou tanto que chegou às 220 horas sem mudança na lei, pois já vigorava. Há uma sorte de “governo estuda”. Os habituais bodes seguem até serem ofertados em trocas.

A economia demora a reagir. Decapitado­res se assomam e não há histórias para todos. 2017 será penoso à noite.

O país retratado pelo diretor português está à frente do horizonte do Brasil, caso este não mude o curso. É refém da troika de organismos financeiro­s internacio­nais e enfrenta milhões de pessoas demitidas de empresas que há pouco viveram seus auges.

Um personagem do primeiro volume, “O Inquieto”, perdeu emprego, casa, poupança e voltou à casa dos pais aos 40, 50 anos. Mandou currículos, sem êxito. Participa da cerimônia Banho dos Magníficos, algo como o pulo de sete ondas no Réveillon.

“Estou convencido de que o banho do dia 1 não representa um capricho de pândegos, nem um ritual supérfluo. Representa a esperança que todos merecem ter para enfrentar as misérias de mais um ano que aí vem.”

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