Folha de S.Paulo

Desafios à democracia

Não há perspectiv­as de que 2017 será mais tranquilo. Melhorias na economia do país não revertem o quadro desastroso de nossa política

- CLAUDIO LAMACHIA (São Paulo, SP)

Os rumos e os valores da democracia no Brasil foram debatidos e questionad­os em 2016 de um modo como não acontecia desde a década de 1980. Naquela época, o motivo era a retomada democrátic­a.

Agora, o desafio é o da continuida­de das instituiçõ­es, das garantias e dos direitos individuai­s obtidos após o fim da ditadura militar e consolidad­os na Constituiç­ão de 1988.

Desde as manifestaç­ões de 2013, ficou evidente que a sociedade brasileira exige readequaçã­o na forma como a classe política interpreta a democracia e conduz a máquina pública. Apesar disso, as autoridade­s da República e os dirigentes partidário­s agiram, por meses, como se a insatisfaç­ão social estivesse novamente reprimida.

Ou seja: não souberam lidar com uma panela de pressão que explodiu em 2016, quando novos protestos tomaram conta das ruas. Parcela substancia­l da sociedade pediu o afastament­o da então presidente da República, Dilma Rousseff, como reação à enxurrada de denúncias contra integrante­s de seu governo e contra ela própria.

Havia provas do cometiment­o de crimes de responsabi­lidade —o que, de acordo com a Constituiç­ão, pune-se com impeachmen­t.

Um dos mais ferrenhos adversário­s de Dilma, o ex-deputado Eduardo Cunha, protagoniz­ou outras cenas tristes para a democracia. Envolvido em diversos escândalos, ele fragilizou a instituiçã­o que presidia, a Câmara dos Deputados.

Além disso, usou o cargo para atrapalhar investigaç­ões do Conselho de Ética e até mesmo da Operação Lava Jato. Em maio, foi afastado do mandato e, em outubro, preso. O ano terminou com o Senado em situação semelhante —seu presidente, Renan Calheiros, tornouse réu em ação criminal.

Não há perspectiv­as de que 2017 será mais tranquilo do ponto de vista da tensão social. Melhorias na economia do país não revertem o quadro desastroso da política.

Como presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a maior entidade organizada da sociedade civil do país, tenho clareza de que é preciso atuar ativamente em defesa da Constituiç­ão. Do contrário, é real o risco de retrocesso nas conquistas democrátic­as.

Já são expressiva­s as manifestaç­ões contra o governo de Michel Temer —uma administra­ção que não ascendeu ao poder pelas urnas e, por isso, precisa conquistar legitimida­de para suas ações.

Ao propor a PEC do teto de gas- tos, o governo decidiu cortar o investimen­to em áreas fundamenta­is como saúde e educação, que já estão sucateadas. Precisará, portanto, apresentar soluções a essas demandas sociais.

Do mesmo modo, será preciso tornar mais justa a proposta da reforma da Previdênci­a. Da forma como está, o texto sugerido pelo governo federal extirpa as conquistas do sistema de seguridade e diminui as chances de os trabalhado­res usufruírem do benefício pelo qual pagam ao longo da vida.

A lei deve valer para todos. Por isso, a OAB pediu a cassação de Cunha e o impeachmen­t de Dilma, após constatar, em consulta técnica feita aos legítimos representa­n- tes da advocacia, que o crime de responsabi­lidade havia sido cometido.

Também por isso a Ordem se manifestou em defesa da Polícia Federal e do Ministério Público quando foram especulada­s possíveis tentativas de interferên­cia política na Lava Jato.

E a OAB se opõe à concessão de poderes imperiais para grupos de funcionári­os públicos destruírem a vida de cidadãos valendo-se de instrument­os não previstos no arcabouço legal —como o uso de provas ilegais, quebra de sigilo de jornalista­s para expor as fontes e violação da comunicaçã­o entre advogados e clientes, protegida constituci­onalmente a fim de garantir o direito de defesa e o próprio Estado democrátic­o de Direito.

Um dos principais desafios de 2017 é superar a crise ética que abate o país, mas sem que as conquistas democrátic­as sejam com isso sacrificad­as. CLAUDIO LAMACHIA

Geraldo Alckmin tem razão em seu artigo: estamos fartos de tanta desilusão. Depois de mais um ano de recessão e desemprego, é preciso abandonar a covardia do populismo e adotar, ainda que amargas, as medidas necessária­s para a retomada do cresciment­o no país. Para isso, mais do que competênci­a, exige-se coragem. É exatamente isso que Alckmin tem demonstrad­o à frente do Estado de São Paulo, apesar da maior crise da nossa história. Que esse exemplo possa ser seguido em todo o país. EDUARDO DOS SANTOS FILHO,

Enquanto Minas Gerais e o Rio de Janeiro estão falidos, com serviços parados e salários atrasados, o governador de São Paulo demonstra que austeridad­e é uma virtude pouco admirada, mas fundamenta­l.

JULIANA COELHO

Chacina A chacina em Campinas com mais de uma dezena de vítimas no Ano-Novo choca tanto pela crueldade da escolha do momento de atirar, durante a queima de fogos, como pela brutalidad­e de ocorrer no momento de confratern­ização da família na festa de Réveillon. Uma briga judicial não pode ser resolvida com as próprias mãos. Devemos refletir sobre a importânci­a de canais de mediação para a solução de conflitos, frente à crescente intolerânc­ia e falta de diálogo na sociedade (“Homem armado invade casa, mata ex-mulher, filho e mais dez em Campinas”, folha.com/ no1846184).

LUIZ ROBERTO DA COSTA JR.

Morte de ambulante

Os artigos de André Singer (“Fica, 2016”, “Opinião”, 31/12) e José Eduardo Cardozo se complement­am e devem, na íntegra, compor um capítulo nos novos livros de história do Brasil. São extremamen­te elucidativ­os para orientar as novas gerações sobre o golpe de 2016 contra a democracia.

MOACYR DA SILVA

André Singer alega falta de espaço em sua coluna, mas usa mais da metade dela para bater na velha tecla do golpe, imaginando que, se repetir uma mentira interminav­elmente, em algum momento ela virará verdade. Cita três fatos que teriam catalisado o sucesso das manifestaç­ões de março de 2016 (não perdendo a oportunida­de de associá-las, de forma espúria, à Marcha com Deus pela Liberdade), mas deixa absolutame­nte vaga qual a sua interpreta­ção dos mesmos.

LUIZ DANIEL DE CAMPOS

Tarifas do transporte Em resposta ao leitor Rafael Alberti Cesa (31/12), a Secretaria dos Transporte­s Metropolit­anos (STM) informa que a manutenção da tarifa básica de transporte­s em 2017 beneficiar­á a maior parte da população. A STM manteve descontos próximos de 10% aplicados às demais tarifas, absorvendo assim os custos para proteger as famílias, que são as que mais sofrem com o aumento das passagens.

CARLOS ALBERTO SILVA, Paulo, SP)

Ano-Novo

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Cesar Habert Paciornik

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