Desafios à democracia
Não há perspectivas de que 2017 será mais tranquilo. Melhorias na economia do país não revertem o quadro desastroso de nossa política
Os rumos e os valores da democracia no Brasil foram debatidos e questionados em 2016 de um modo como não acontecia desde a década de 1980. Naquela época, o motivo era a retomada democrática.
Agora, o desafio é o da continuidade das instituições, das garantias e dos direitos individuais obtidos após o fim da ditadura militar e consolidados na Constituição de 1988.
Desde as manifestações de 2013, ficou evidente que a sociedade brasileira exige readequação na forma como a classe política interpreta a democracia e conduz a máquina pública. Apesar disso, as autoridades da República e os dirigentes partidários agiram, por meses, como se a insatisfação social estivesse novamente reprimida.
Ou seja: não souberam lidar com uma panela de pressão que explodiu em 2016, quando novos protestos tomaram conta das ruas. Parcela substancial da sociedade pediu o afastamento da então presidente da República, Dilma Rousseff, como reação à enxurrada de denúncias contra integrantes de seu governo e contra ela própria.
Havia provas do cometimento de crimes de responsabilidade —o que, de acordo com a Constituição, pune-se com impeachment.
Um dos mais ferrenhos adversários de Dilma, o ex-deputado Eduardo Cunha, protagonizou outras cenas tristes para a democracia. Envolvido em diversos escândalos, ele fragilizou a instituição que presidia, a Câmara dos Deputados.
Além disso, usou o cargo para atrapalhar investigações do Conselho de Ética e até mesmo da Operação Lava Jato. Em maio, foi afastado do mandato e, em outubro, preso. O ano terminou com o Senado em situação semelhante —seu presidente, Renan Calheiros, tornouse réu em ação criminal.
Não há perspectivas de que 2017 será mais tranquilo do ponto de vista da tensão social. Melhorias na economia do país não revertem o quadro desastroso da política.
Como presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a maior entidade organizada da sociedade civil do país, tenho clareza de que é preciso atuar ativamente em defesa da Constituição. Do contrário, é real o risco de retrocesso nas conquistas democráticas.
Já são expressivas as manifestações contra o governo de Michel Temer —uma administração que não ascendeu ao poder pelas urnas e, por isso, precisa conquistar legitimidade para suas ações.
Ao propor a PEC do teto de gas- tos, o governo decidiu cortar o investimento em áreas fundamentais como saúde e educação, que já estão sucateadas. Precisará, portanto, apresentar soluções a essas demandas sociais.
Do mesmo modo, será preciso tornar mais justa a proposta da reforma da Previdência. Da forma como está, o texto sugerido pelo governo federal extirpa as conquistas do sistema de seguridade e diminui as chances de os trabalhadores usufruírem do benefício pelo qual pagam ao longo da vida.
A lei deve valer para todos. Por isso, a OAB pediu a cassação de Cunha e o impeachment de Dilma, após constatar, em consulta técnica feita aos legítimos representan- tes da advocacia, que o crime de responsabilidade havia sido cometido.
Também por isso a Ordem se manifestou em defesa da Polícia Federal e do Ministério Público quando foram especuladas possíveis tentativas de interferência política na Lava Jato.
E a OAB se opõe à concessão de poderes imperiais para grupos de funcionários públicos destruírem a vida de cidadãos valendo-se de instrumentos não previstos no arcabouço legal —como o uso de provas ilegais, quebra de sigilo de jornalistas para expor as fontes e violação da comunicação entre advogados e clientes, protegida constitucionalmente a fim de garantir o direito de defesa e o próprio Estado democrático de Direito.
Um dos principais desafios de 2017 é superar a crise ética que abate o país, mas sem que as conquistas democráticas sejam com isso sacrificadas. CLAUDIO LAMACHIA
Geraldo Alckmin tem razão em seu artigo: estamos fartos de tanta desilusão. Depois de mais um ano de recessão e desemprego, é preciso abandonar a covardia do populismo e adotar, ainda que amargas, as medidas necessárias para a retomada do crescimento no país. Para isso, mais do que competência, exige-se coragem. É exatamente isso que Alckmin tem demonstrado à frente do Estado de São Paulo, apesar da maior crise da nossa história. Que esse exemplo possa ser seguido em todo o país. EDUARDO DOS SANTOS FILHO,
Enquanto Minas Gerais e o Rio de Janeiro estão falidos, com serviços parados e salários atrasados, o governador de São Paulo demonstra que austeridade é uma virtude pouco admirada, mas fundamental.
JULIANA COELHO
Chacina A chacina em Campinas com mais de uma dezena de vítimas no Ano-Novo choca tanto pela crueldade da escolha do momento de atirar, durante a queima de fogos, como pela brutalidade de ocorrer no momento de confraternização da família na festa de Réveillon. Uma briga judicial não pode ser resolvida com as próprias mãos. Devemos refletir sobre a importância de canais de mediação para a solução de conflitos, frente à crescente intolerância e falta de diálogo na sociedade (“Homem armado invade casa, mata ex-mulher, filho e mais dez em Campinas”, folha.com/ no1846184).
LUIZ ROBERTO DA COSTA JR.
Morte de ambulante
Os artigos de André Singer (“Fica, 2016”, “Opinião”, 31/12) e José Eduardo Cardozo se complementam e devem, na íntegra, compor um capítulo nos novos livros de história do Brasil. São extremamente elucidativos para orientar as novas gerações sobre o golpe de 2016 contra a democracia.
MOACYR DA SILVA
André Singer alega falta de espaço em sua coluna, mas usa mais da metade dela para bater na velha tecla do golpe, imaginando que, se repetir uma mentira interminavelmente, em algum momento ela virará verdade. Cita três fatos que teriam catalisado o sucesso das manifestações de março de 2016 (não perdendo a oportunidade de associá-las, de forma espúria, à Marcha com Deus pela Liberdade), mas deixa absolutamente vaga qual a sua interpretação dos mesmos.
LUIZ DANIEL DE CAMPOS
Tarifas do transporte Em resposta ao leitor Rafael Alberti Cesa (31/12), a Secretaria dos Transportes Metropolitanos (STM) informa que a manutenção da tarifa básica de transportes em 2017 beneficiará a maior parte da população. A STM manteve descontos próximos de 10% aplicados às demais tarifas, absorvendo assim os custos para proteger as famílias, que são as que mais sofrem com o aumento das passagens.
CARLOS ALBERTO SILVA, Paulo, SP)
Ano-Novo