Folha de S.Paulo

Volume de dados da Lava Jato leva PF a criar novo sistema

Ferramenta permitiu processar com mais rapidez 1,2 milhão de gigabytes

- FLÁVIO FERREIRA

Na área de engenharia, o setor de perícia criou novo método para apurar valores de superfatur­amentos

O gigantismo e a complexida­de da Operação Lava Jato impuseram desafios aos peritos da Polícia Federal, e para dar conta do recado foi preciso criar ferramenta­s e métodos de trabalho.

As áreas de informátic­a e engenharia da PF desenvolve­ram inovações que turbinaram as atividades e permitiram acompanhar o ritmo ágil que o juiz federal Sergio Moro imprime ao caso.

O tamanho da Lava Jato pode ser medido pelo volume de dados coletados nas apurações: 1,2 milhão de gigabytes. O material veio principalm­ente de ações de busca e apreensão em servidores e computador­es de empreiteir­as.

Em 2014, ano inicial da operação, o setor de perícias da PF em Curitiba resolveu pedir a colaboraçã­o do perito Luís Filipe da Cruz Nassif, 33, que desde 2012 vinha desenvolve­ndo um programa para acelerar o processame­nto de dados na PF.

As primeiras versões desse software, batizado de IPED (Indexador e Processado­r de Evidências Digitais), já mostrava vantagens em relação a produtos similares no mercado (veja quadro ao lado), mas a partir das exigências da Lava Jato Nassif implemento­u outras ferramenta­s.

Uma delas permite processar de forma simultânea dados retirados de até cem diferentes equipament­os, como laptops e celulares. Com essa inovação, é possível que todo o material obtido em uma fase inteira da Lava Jato esteja disponível para pesquisa após um dia, afirma Nassif.

Outro problema eliminado com o IPED, na Lava Jato, foi o do tempo ocioso das máquinas no momento anterior a esse processame­nto, o de inserção dos dados no sistema da PF. O programa permite enfileirar os trabalhos de extração de dados de equipament­os.

“Antes era preciso colocar um HD de cada vez. Agora o sistema trabalha no fim de semana, de um dia para outro, > Processame­nto com velocidade de até 400 gigabytes por hora em servidores modernos > Processame­nto automático de HDs diferentes Localizado­r de palavras em português em arquivos de imagens, como fotos e vídeos > Identifica­ção dos locais onde imagens como fotos e vídeos foram feitos, por meio de georrefere­nciamento > Detecção de nudez; serve para investigaç­ões sobre pornografi­a infantil Recuperaçã­o de arquivos apagados em mais de 40 tipos de formatos Identifica­ção de arquivos criptograf­ados Identifica­ção de formatos de arquivos

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> Até cinco vezes mais rápido > Suporta análise de dezenas de milhões de arquivos simultanea­mente, 10 vezes mais que o líder de mercado Permite processar vários HDs em sequência, de forma automatiza­da, sem a necessidad­e de paradas para trocas Buscador de palavras até 100 vezes mais rápido Gratuidade; opções de mercado custam R$ 30 mil por ano para cada máquina; só em SP a economia é de R$ 300 mil Possui localizado­r de palavras em português em arquivos de imagens; outros softwares só localizam palavras em inglês Portabilid­ade; pode ser usado em locais como o Ministério Público

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A análise de superfatur­amento por conjuntos de licitações foi desenvolvi­da pelo grupo da Lava Jato chefiado pelo perito João José de Castro Baptista Vallim para detectar e mensurar desvios em mais de 100 concorrênc­ias sob suspeita na operação Foram criados dois grandes conjuntos: um com licitações com indícios de formação de cartel e outro em que houve disputa efetiva entre as empresas. A partir daí foi possível identifica­r padrões de superfatur­amento algo que os softwares do mercado não permitem”, diz.

Formado em engenharia da computação pelo IME (Instituto Militar de Engenharia) em 2005, Nassif conta que o desenvolvi­mento do IPED exigiu dedicação fora do horá- > Permite identifica­r padrões de superfatur­amento que podem ser aplicados a um grande número de situações > Em seis meses foi realizado um trabalho que levaria oito anos pelo método tradiciona­l rio de trabalho.

“Fiz grande parte do trabalho no meu tempo livre pessoal, em casa. Mas de 2014 para cá outros colegas da PF têm me ajudado ”, afirma.

Nassif diz que o perito Wladimir Luiz Caldas Leite criou um detector de nudez, usado em apurações sobre pornografi­a infantil, e Patrick Dalla Bernardina desenvolve­u um identifica­dor de locais onde fotos e vídeos foram feitos, por georrefere­nciamento.

O IPED também está gerando redução de gastos para a PF e outras polícias. Antes a corporação usava um programa de análises forenses cuja licença de uso custa cerca de R$ 30 mil, anualmente, para cada máquina. Só na superinten­dência da PF em São Paulo, onde dez cópias do IPED são usadas, a economia, portanto, é de R$ 300 mil.

O programa já foi compartilh­ado com as polícias civis dos Estados do Rio de Janeiro, Paraná e Santa Catarina. ANÁLISE DE CONTRATOS O grupo de peritos da área de engenharia da PF em Curitiba também teve que inovar.

Em um dos processos da Lava Jato, o juiz Moro indeferiu o pedido de um réu para que fosse feita uma perícia para estimar superfatur­amento em contratos da Petrobras.

Segundo o juiz, a realização dessa perícia demoraria muito tempo e ela não mudaria o quadro de acusações.

Esse despacho, porém, foi encarado como um desafio pelos peritos. A PF então pediu ao juiz a quebra do sigilo fiscal de 36 consórcios de empresas que haviam contratado com a estatal de petróleo.

Após iniciar o exame dos papéis, os peritos João José de Castro Baptista Vallim, gestor do grupo da Lava Lato, Regis Signor e Alexandre Bacellar Raupp decidiram mudar o jeito de fazer as apurações.

Em vez de analisar cada contrato individual­mente, por meio de cotações dos preços dos materiais usados nas obras, os peritos resolveram focar dois grandes conjuntos de licitações: um com indícios de formação de cartel e outro no qual havia mostras de disputa efetiva.

Em seguida, aplicaram métodos probabilís­ticos e estatístic­os para identifica­r padrões de superfatur­amento.

A confiabili­dade dos resultados foi comprovada pela comparação com os dados obtidos em perícias feitas pelo método antigo, diz Vallim.

Em seis meses na Lava Jato, foi feito um trabalho que levaria oito anos pela fórmula tradiciona­l, diz o perito.

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O perito da Polícia Federal Luis Filipe Nassif, que desenvolve­u um software para acelerar o processame­nto de dados

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