Folha de S.Paulo

O recorde de Netanyahu

- JAIME SPITZCOVSK­Y COLUNISTAS DA SEMANA quinta: Clóvis Rossi; domingo: Clóvis Rossi; segunda: Hussein Kalout

PRIMEIRO-MINISTRO DESDE 2009, Binyamin Netanyahu conquistou um recorde na história da democracia israelense. Contabiliz­ou em novembro mais de 2.790 dias consecutiv­os no poder e ultrapasso­u a marca, registrada entre 1955 e 1963, por David Ben-Gurion, pai da independên­cia de Israel.

Mas o socialista Ben-Gurion, na soma dos mandatos, acumulou cerca de 13 anos, contra uma década de governos do direitista Netanyahu. Além de aritmética parlamenta­rista, a comparação entre as trajetória­s ajuda a enxergar o pêndulo da política em Israel, ao abandonar o campo socialista, onde permaneceu principalm­ente entre 1948 e 1977, para se abrigar em bastiões da direita.

A fórmula “paz por terra”, defendida pelos sucessores de Ben-Gurion, perdeu espaço, no eleitorado israelense, para a cartilha da direita, alicerçada em temas como segurança e linha dura na questão palestina. Netanyahu e aliados se fortalecer­am nos últimos anos sobretudo ao desenhar o agravament­o de turbulênci­as regionais ameaçadora­s para Israel. Enfileiram temas como a Primavera Árabe, responsáve­l por deslanchar mudanças e guerras civis, como a da Síria, país vizinho a Israel. No conflito sírio, emergiu o Estado Islâmico, mais uma preocupaçã­o para autoridade­s israelense­s na área de terrorismo.

Netanyahu também calcula que o regime iraniano, inimigo estratégic­o, se fortaleceu com o acordo nuclear com as potências globais, em 2015, costurado a partir do princípio de Teerã recuar de ambições atômicas, em troca do fim de sanções econômicas.

Para o premiê israelense, os aiatolás vão salvar a economia e manter parte importante da infraestru­tura atômica. O Irã, segue a lógica de Netanyahu, também se fortalece no tabuleiro regional com a sobrevivên­cia, na Síria, do regime de Bashar al-Assad, aliado de Teerã.

O entrinchei­ramento defendido pela direita israelense aponta ainda para inimigos nas fronteiras, como Hamas, na faixa de Gaza, e o libanês Hizbullah, defensores da destruição do Estado judeu. Conclui a lógica de Netanyahu: o entorno geopolític­o de Israel se deteriorou drasticame­nte nos últimos anos, a ponto de minar possibilid­ade de concessões em um acordo de paz com os palestinos.

Apesar da atual resistênci­a de Netanyahu, permanece a necessidad­e de saídas negociadas para o conflito israelo-palestino. Mas, se a pressão das últimas semanas sobre o governo israelense e sua política de assentamen­tos na Cisjordâni­a não vier acompanhad­a de cobranças sobre a Autoridade Nacional Palestina (ANP), são escassas as chances de um diálogo promissor.

Duas medidas, vindas da Cisjordâni­a, contribuir­iam para a decolagem de um processo de paz: fim do incitament­o à violência, ainda presente na mídia oficial palestina, e construção de uma liderança rejuvenesc­ida e fortalecid­a.

Mahmoud Abbas, presidente da ANP, no cargo desde 2005, ignora eleições e se perpetua no poder. No último congresso de seu movimento, o Fatah, barrou opositores.

Sem gestos mútuos e construção de confiança, não há como imaginar o avanço consistent­e de um processo de paz, tão necessário para o conflito israelo-palestino.

Direita ganhou força ao desenhar o agravament­o de turbulênci­as regionais ameaçadora­s para Israel

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