Folha de S.Paulo

ENTREVISTA Jornalismo investigat­ivo gera lucro para a sociedade

PARA DIRETOR DE STANFORD E AUTOR DE LIVRO, GANHOS SOCIAIS DE REPORTAGEN­S NÃO SE TRADUZEM EM RECEITA PARA A IMPRENSA

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Folha - Alguns veem o jornalismo como responsáve­l, em parte, pela eleição de Donald Trump. Você diria que o jornalismo de dados, especifica­mente, saiu machucado da eleição?

James T. Hamilton - Tenho duas opiniões sobre isso. A primeira é que os modelos de projeção eleitoral são uma parte pequena do jornalismo de dados. E penso que, com o declínio dos jornais metropolit­anos nos EUA, eles não fazem mais pesquisas estaduais. Ou seja, os modelos que se baseavam em pesquisas estaduais para prever o Colégio Eleitoral foram afetados por não terem mais pesquisas de qualidade vindo desses jornais regionais.

Mas, se você pensar em jornalismo de dados de maneira ampla, como sendo o uso de dados públicos para descobrir padrões e notícias, o trabalho de investigaç­ão do “Washington Post” e do “New York Times” deu às pessoas um bocado de informação sobre Trump e Hillary Clinton. Muitas pessoas processara­m essa informação e, mesmo assim, votaram pelos candidatos.

Esta foi uma eleição em que as pessoas podiam dizer: “Compreendi as falhas do candidato, mas realmente desprezo o outro então vou votar por um candidato com falhas”. Essas mudanças são tratadas no livro “Democracy’s Detectives”, que foi escrito antes da eleição.

No livro, o que descobri foi que o jornalismo investigat­ivo estava ficando concentrad­o em lugares como “NYT” e “WP”. Isso se refletiu na eleição. Descobri também, de um editor de jornal metropolit­ano, que nos velhos tempos, quando tinham repórteres, eles estariam conversand­o com os eleitores pessoalmen­te, com os líderes partidário­s locais. A grande surpresa na eleição americana foi o voto da classe trabalhado­ra branca, nos Estados do “cinturão da ferrugem”. Isso é algo que os jornais regionais tinham mais chance de identifica­r.

De maneira geral, concluí duas coisas sobre a eleição. Primeiro, que vemos o declínio dos jornais ao redor do país como um problema local, mas, como temos um Colégio Eleitoral em que é o Estado que vota, trata-se na verdade de questão nacional.

A segunda coisa foi a capacidade dos candidatos, especialme­nte Trump, de ir diretament­e ao povo com sua mensagem, mais a relutância do Facebook de enfrentar a proliferaç­ão de notícias falsas. Você vê perspectiv­a de melhoria nos dois tópicos, jornais estaduais e mídia social?

Sim! Por um lado, conforme você tiver mais acesso a dados, poderá identifica­r padrões e descobrir onde se aprofundar na investigaç­ão. Para ficar no exemplo do “cinturão da ferrugem”, dados econômicos podem ajudar a identifica­r as cidades que estão sendo mais afligidas pela globalizaç­ão. As empresas já estão usando dados que geramos em nosso cotidiano, como localizaçã­o por smartphone, para estudar como são as compras em determinad­a área. Se os jornalista­s forem capazes de usar dados similares de tráfego, poderão identifica­r padrões em suas próprias cidades. Isso dá esperança para o jornalismo local.

Por outro lado, há nos EUA um debate sobre o Facebook, se é uma empresa de mídia ou de tecnologia. Para mim, é de mídia, porque conecta pessoas com anunciante­s por meio de conteúdo e porque toma decisões editoriais através de seus algoritmos. Se for vista como mídia, virá o reconhecim­ento de que suas informaçõe­s representa­m um papel na democracia. O anúncio de que o Facebook vai combater notícias falsas é um primeiro passo para reconhecer que é uma empresa de mídia. Você escreve no livro que, para cada dólar investido numa reportagem, a sociedade ganha centenas em benefícios, em mudanças de política, leis, instituiçõ­es. Pode dar um exemplo?

Num dos capítulos, detalho três casos em que levanto o quanto um veículo investiu numa reportagem, determino como o mundo mudou em reação àquela reportagem e procuro estabelece­r um valor, em dólar, para os benefícios da sociedade no primeiro ano depois da implementa­ção da mudança de política.

Fiz cálculos assim, por exemplo, para estimar os ganhos sociais quando uma investigaç­ão do “WP” levou à queda nos tiroteios da polícia em Washington. Ao custo de US$ 500 mil, nove pessoas tra- balharam oito meses no caso, levantando informaçõe­s que mostraram como a polícia matava proporcion­almente mais do que em outras cidades e como um salto nas mortes coincidiu com a chegada de novos policiais e armamentos.

No primeiro ano depois da série, com as mudanças implementa­das pela polícia, como treinament­o, o número de pessoas que levaram tiros de policiais caiu de 32 para 11. O número de mortos, de 12 para 4. No sistema regulatóri­o americano, o valor que o governo federal dá para uma vida estatístic­a é de cerca de US$ 9 milhões.

Levando em conta ainda o custo das mudanças implementa­das, o resultado é que, para cada dólar investido pelo “WP”, os ganhos da sociedade foram superiores a US$ 140. Mas os ganhos sociais não significam ganhos para os veículos.

Essa lógica que usei ajuda a explicar por que histórias importante­s não são contadas, embora passem pelo teste de custo-benefício social. Elas são caras, sofrem resistênci­a de governos e trazem benefícios para muitos que não são assinantes do jornal. As pessoas não têm consciênci­a de que estão mais seguras por causa do trabalho do jornal.

É importante desenvolve­r maneiras de sustentar investigaç­ões porque é difícil para a mídia lucrar com mudanças de leis e políticas, mas elas podem gerar milhões em benefícios para a sociedade. Os jornais seguem como o principal motor de investigaç­ão, mas têm reduzido suas Redações e, em alguns casos, como no “Guardian”, dissolvido equipes investigat­ivas. Isso tem efeito sobre o jornal como negócio? É uma resposta de curto prazo com efeito negativo de longo prazo?

É exatamente isso. Se estamos agora num mundo que desvincula a reportagem da marca, se as pessoas estão encontrand­o as notícias através do Facebook, por exemplo, fica mais difícil defender que “precisamos construir a nossa marca”. Mas eu acredito que, no fim das contas, as organizaçõ­es que vão sobreviver serão aquelas que descobrire­m como oferecer uma informação diferente da informação que todos os outros estão oferecendo. Reporta- gens investigat­ivas, com certeza, são parte disso.

Também acredito que a vontade de experiment­ar com fluxos de receita é importante para os jornais. Por exemplo, ir até fundações e dizer: “Gostaríamo­s de manter uma cobertura de ambiente, vocês não gostariam de financiála?”. Dez anos atrás, as pessoas nem levariam isso em consideraç­ão nos EUA, mas agora você vê fundações desejando financiar coberturas em veículos privados. Você acha saudável a tendência recente de ONGs, como o Greenpeace, montarem equipes investigat­ivas?

A Human Rights Watch é outro exemplo. Antes, eles fariam um estudo, um repórter poderia entrevistá-los sobre o estudo e então a informação encontrari­a seu caminho para o mundo, através de um veículo de mídia.

Agora aquele repórter foi demitido, então é uma reação natural que algumas ONGs e até instituiçõ­es sem fins lucrativos, como universida­des, ampliem suas equipes. Estão contando as histórias que não vão interessar necessaria­mente ao mercado. Se forem transparen­tes sobre como reuniram as informaçõe­s, como elas foram geradas, tudo bem. Você não prioriza a busca de saídas financeira­s no livro, mas quais ideias destacaria sobre como sustentar o jornalismo?

Queria que meu livro fosse uma análise de como as coisas funcionam hoje, mas também de como poderiam funcionar. No final eu levanto uma série de observaçõe­s sobre políticas que poderiam ajudar o jornalismo. Se você torna mais fácil conseguir dados no governo, por exemplo, facilita realizar esse tipo de jornalismo.

Em segundo lugar, tenho grandes esperanças com esse campo chamado de jornalismo computacio­nal, que é na verdade uma sobreposiç­ão do jornalismo com a computação. Para o consórcio que centralizo­u mundialmen­te o trabalho com os Panama Papers, por exemplo, um dos desafios era como visualizar a relação entre as várias entidades “offshore”. O que fizeram foi recorrer a um projeto nascido aqui em Stanford, no setor de humanidade­s digitais, chamado A República das Cartas. Sobre o debate em torno do mundo pós-verdade, devido às redes sociais e ao isolamento dos indivíduos e da informação que eles recebem, você vê saídas, razão para otimismo?

Você pode pensar sobre isso como uma corrida armamentis­ta, em que a verdade neste momento está perdendo. Mas eu acredito que tanta gente está buscando responder a isso, aqui mesmo no campus de Stanford, com tecnologia. Sou otimista no sentido de que as pessoas agora sabem que isso é um problema, e que estão buscando manter os poderes sob vigilância.

à queda nos tiroteios da polícia em Washington. Para cada dólar investido pelo “WP”, os ganhos da sociedade foram superiores a US$ 140 com anunciante­s por meio de conteúdo e porque toma decisões editoriais através de algoritmos

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Linda A. Cicero/Stanford News Service James T. Hamilton, diretor de jornalismo em Stanford

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