Folha de S.Paulo

Haddad: decifra-te ou serás devorado

- LEÃO SERVA COLUNISTAS DESTA SEMANA segunda: Leão Serva; terça: Rosely Sayão; quarta: Francisco Daudt; quinta: Sérgio Rodrigues; sexta: Tati Bernardi; sábado: Oscar Vilhena Vieira; domingo: Antonio Prata

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Lembrei do antigo chiste ao ler na Folha a entrevista do prefeito que sai, na qual não faz nenhuma autocrític­a, não constata nenhum errozinho sequer em sua gestão. A julgar pelo balanço, os 83% dos votos contra ele se devem ao engano do eleitor e à influência da mídia.

Neste ano que começa, Haddad deve resolver um enigma: entender a derrota no contexto do processo em que está imerso o país. Pode decifrar ou ser devorado pelo esquecimen­to da história.

A melancólic­a performanc­e nas urnas pode deixá-lo com o estigma de perdedor; a incapacida­de de ler os sinais de fracasso tende a reforçar a crítica que membros da cúpula petista faziam ao seu jeito de governar: “Autista”, o apelidaram.

Ao mesmo tempo, a imagem de honestidad­e e a dedicação a uma agenda contemporâ­nea o colocam em posição de destaque em seu partido: Haddad é um raro petista julgado pela opinião pública por questões de cidadania e medidas de governo, enquanto tantos outros membros da elite partidária enfrentam na Justiça acusações de corrupção.

Essa situação peculiar pode transforma­r a derrota em alavanca: o ex-prefeito pode chegar a 2018 como possível candidato a presidente, revivendo a trajetória de Fernando Henrique Cardoso, derrotado a prefeito em 1985 e alçado à candidatur­a presidenci­al em 1994. Ex-prefeito sai derrotado, mas como um raro petista com imagem de honestidad­e e idealismo

Haddad precisa entender que a mídia lhe foi generosa, e não cruel. As reportagen­s de balanço de governo, por exemplo, avaliaram a administra­ção pelos critérios que ele estabelece­u, segundo os quais completou metade das metas.

Os jornais poderiam dizer que Haddad não completou nem 1% dos objetivos a que se propôs, uma vez que engavetou, três meses após a posse, todo o plano de governo anunciado em campanha.

A “Lei de Metas” foi sugerida pela ONG Nossa São Paulo (devota do PT) e aprovada pela Câmara durante o governo Kassab, com intenção de compromete­r os prefeitos eleitos com as promessas de campanha.

Haddad estruturou a candidatur­a de 2012 no projeto “Arco do Futuro”, um plágio dos anos 1970, anteriores à crise do petróleo. Essa origem determinav­a seu principal defeito: era baseado em eixos viários. Se implantado, geraria obras insustentá­veis e, em seguida, multiplica­ria congestion­amentos.

Depois de cem dias de governo, em 2013, ao apresentar o Plano de Metas, a Prefeitura anunciou que o “Arco do Futuro” era inviável: não havia dinheiro para realizá-lo. Essa atitude tem um nome: “estelionat­o eleitoral”. Mas a ONG Nossa São Paulo, por alinhament­o partidário, e a imprensa paulista, com raras exceções, calaram-se.

Quatro anos depois, Haddad foi derrotado nas urnas. A contradiçã­o entre o prefeito eleito com um plano de obras típico dos anos 1960-70, mas que governou em busca do espírito do século 21 é o cerne do enigma. Durante a campanha, ele pediu aos eleitores mais quatro anos para realizar o “Arco do Futuro”. Afinal, seus 17% de votos são um sinal da frustração pela não execução do plano prometido em 2012 ou apontam o potencial de cresciment­o de uma agenda de restrição a obras, em um país posterior ao domínio das empreiteir­as? Esse é o enigma de Haddad.

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