Haddad: decifra-te ou serás devorado
SABE QUAL é o melhor negócio no país hoje? Comprar Fernando Haddad pelo que os eleitores dão por ele e vendê-lo pelo que ele acha que vale...
Lembrei do antigo chiste ao ler na Folha a entrevista do prefeito que sai, na qual não faz nenhuma autocrítica, não constata nenhum errozinho sequer em sua gestão. A julgar pelo balanço, os 83% dos votos contra ele se devem ao engano do eleitor e à influência da mídia.
Neste ano que começa, Haddad deve resolver um enigma: entender a derrota no contexto do processo em que está imerso o país. Pode decifrar ou ser devorado pelo esquecimento da história.
A melancólica performance nas urnas pode deixá-lo com o estigma de perdedor; a incapacidade de ler os sinais de fracasso tende a reforçar a crítica que membros da cúpula petista faziam ao seu jeito de governar: “Autista”, o apelidaram.
Ao mesmo tempo, a imagem de honestidade e a dedicação a uma agenda contemporânea o colocam em posição de destaque em seu partido: Haddad é um raro petista julgado pela opinião pública por questões de cidadania e medidas de governo, enquanto tantos outros membros da elite partidária enfrentam na Justiça acusações de corrupção.
Essa situação peculiar pode transformar a derrota em alavanca: o ex-prefeito pode chegar a 2018 como possível candidato a presidente, revivendo a trajetória de Fernando Henrique Cardoso, derrotado a prefeito em 1985 e alçado à candidatura presidencial em 1994. Ex-prefeito sai derrotado, mas como um raro petista com imagem de honestidade e idealismo
Haddad precisa entender que a mídia lhe foi generosa, e não cruel. As reportagens de balanço de governo, por exemplo, avaliaram a administração pelos critérios que ele estabeleceu, segundo os quais completou metade das metas.
Os jornais poderiam dizer que Haddad não completou nem 1% dos objetivos a que se propôs, uma vez que engavetou, três meses após a posse, todo o plano de governo anunciado em campanha.
A “Lei de Metas” foi sugerida pela ONG Nossa São Paulo (devota do PT) e aprovada pela Câmara durante o governo Kassab, com intenção de comprometer os prefeitos eleitos com as promessas de campanha.
Haddad estruturou a candidatura de 2012 no projeto “Arco do Futuro”, um plágio dos anos 1970, anteriores à crise do petróleo. Essa origem determinava seu principal defeito: era baseado em eixos viários. Se implantado, geraria obras insustentáveis e, em seguida, multiplicaria congestionamentos.
Depois de cem dias de governo, em 2013, ao apresentar o Plano de Metas, a Prefeitura anunciou que o “Arco do Futuro” era inviável: não havia dinheiro para realizá-lo. Essa atitude tem um nome: “estelionato eleitoral”. Mas a ONG Nossa São Paulo, por alinhamento partidário, e a imprensa paulista, com raras exceções, calaram-se.
Quatro anos depois, Haddad foi derrotado nas urnas. A contradição entre o prefeito eleito com um plano de obras típico dos anos 1960-70, mas que governou em busca do espírito do século 21 é o cerne do enigma. Durante a campanha, ele pediu aos eleitores mais quatro anos para realizar o “Arco do Futuro”. Afinal, seus 17% de votos são um sinal da frustração pela não execução do plano prometido em 2012 ou apontam o potencial de crescimento de uma agenda de restrição a obras, em um país posterior ao domínio das empreiteiras? Esse é o enigma de Haddad.