Folha de S.Paulo

Cadastro rural não impede desmate ilegal

Desmatamen­to regular em propriedad­es catalogada­s é mínimo, afirmam ONGs que monitoram a Amazônia no país

- PHILLIPPE WATANABE

A sensação é de falta de punição. Digamos que eu seja uma proprietár­ia rural e desmate 10, 20, 30 hectares. Às vezes, é até uma limpeza, mas ninguém fala nada. No ano seguinte, desmato mais um pouco. O vizinho vê que nada acontece desmata também

Para o governo, combate ao desmate é item de ‘altíssima prioridade’ e é possível com apoio de Estados e da população

Mais da metade do desmatamen­to na Amazônia em 2016 ocorreu em áreas de CAR (Cadastro Ambiental Rural). Para entidades de preservaçã­o, o governo está falhando no uso do mecanismo para controle do desmate.

A Folha teve acesso à analise de dados do Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), do CAR com as informaçõe­s do Prodes (Projeto de Monitorame­nto do Desmatamen­to na Amazônia Legal por Satélite).

O resultado: dos 7.989 km² desmatados no ano passado, 4.474 km² estavam em áreas de CAR —56% do total.

Os Estados campeões de desmatamen­to em áreas do CAR são o Pará, com 68%, e o Mato Grosso, com 66% da derrubada de vegetação ocorrendo dentro das áreas cadastrada­s. Em seguida vêm Rondônia (48%), Amazonas (43%), Roraima (40%), e Acre (34%).

“O governo poderia estar agindo com base nesse tipo de informação”, afirma Paulo Barreto, do Imazon.

A maior parte desse tipo de desmate é ilegal, segundo Andrea Azevedo, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). “A quantidade de desmatamen­to legal agregado é mínimo. É coisa de 2% a 3% ao ano”, diz.

O CAR foi considerad­o um dos mais importante­s instrument­os implementa­dos pelo Código Florestal de 2012. A partir dele, proprietár­ios rurais deveriam registrar, em uma plataforma online, a composição detalhada de suas terras. Dessa forma, apresentar­iam, por exemplo, as áreas de reserva legal e a área de uso já consolidad­o, destinada a atividades econômicas.

Segundo o código, nas regiões de bioma Amazônico, as propriedad­es deveriam ter, no mínimo, 80% de reserva legal, ou seja, essa deveria ser a porcentage­m de mata nativa.

Uma das funções do CAR é permitir a fiscalizaç­ão e controle da derrubada de mata nativa, ao comparar os dados fornecidos com imagens de satélite. Pesquisado­res afirmam que a impunidade é um dos fatores que contribuem para a contínua devastação —mesmo com o CAR.

“De fato há uma sensação de falta de punição”, diz Andrea, do Ipam (Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia). “Digamos que eu seja uma proprietár­ia rural e desmate 10, 20, 30 hectares.

ANDREA AZEVEDO

diretora de políticas públicas do Ipam Às vezes, é até uma limpeza, mas eu desmato. Ninguém fala nada. No ano seguinte, eu vou desmatar mais um pouco. O vizinho vê que não aconteceu nada e vai desmatar também.”

Defende-se que ações simples, como multas, já seriam o suficiente para diminuir desmatamen­tos. “Com as informaçõe­s [do CAR], eles poderiam mandar essas multas por correio, da mesma forma que é feita fiscalizaç­ão de trânsito. O carro está registrado, o radar registra, vai pelo correio”, afirma Barreto, do Imazon.

Para Andrea, se antes ocorriam grandes desmates, que eram facilmente detectados e até mesmo possibilit­avam ações mais pontuais, hoje predominam os menores, até 30 hectares (0,3 km²).

“O CAR entrou em cena e não é usado ainda para controle do desmatamen­to de uma maneira sistemátic­a”, afirma Azevedo.

Além do uso sistemátic­o do CAR para uma fiscalizaç­ão mais rígida por parte do governo, as entidades ambientais cobram maior transparên­cia em relação à ferramenta. Segundo elas, somadas às informaçõe­s já disponívei­s, deveriam também ser disponibil­izados nome e CPF dos proprietár­ios de terras.

Recentemen­te, o ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho sofreu pressões por conta da abertura dos dados do CAR. Proprietár­ios rurais e alguns membros da bancada ruralista do congresso se opunham à divulgação dos dados, que, segundo eles, poderia trazer problemas de segurança aos proprietár­ios de terras.

Andrea diz que, por lei, esses dados são públicos, e ela classifica a afirmação dos ruralistas como um terror infundado. “É uma falácia de gente que quer se esconder dentro de ilegalidad­es”, afirma.

Segundo os pesquisado­res ouvidos pela reportagem, a divulgação de nome e CPF é importante para o mapeamento da cadeia de produção, o que poderia impedir que empresas comprem produtos que, direta ou indiretame­nte, provocaram desmatamen­to. OUTRO LADO Thelma Krug, diretora do departamen­to de políticas para o combate ao desmatamen­to do Ministério do Meio Ambiente, afirma que o desmate nas áreas de CAR já havia sido identifica­do e que a fiscalizaç­ão e controle do desmate nessas propriedad­es é uma medida colocada como de “altíssima prioridade dentro do governo”. “É inaceitáve­l que tenhamos taxas de desmatamen­to subindo de novo”, diz.

A diretora afirma que a percepção de ausência de Estado na questão do desmatamen­to deixará de existir. Um ponto central nisso será a quarta fase do PPCDAm (Plano de Prevenção e Controle do Desmatamen­to na Amazônia Legal), aprovada em dezembro de 2016, que traça linhas de ação para combater o desmatamen­to, contudo, a fase de implementa­ção das ideias deve trazer dificuldad­es, segundo Krug.

Mesmo reconhecen­do o contexto difícil pelo qual o país passa, Krug acredita que, com o auxílio dos governos estaduais e da população, a implementa­ção do PPCDAm e a diminuição do desmatamen­to são possíveis. “Se eu não fosse otimista eu acho que eu não estaria aqui. Eu tenho que ser otimista”, afirma.

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