Folha de S.Paulo

ANÁLISE Massacre é mais um capítulo da guerra entre as facções do crime

- FABIANO MAISONNAVE

Pese o alto número de mortos e à exceção do ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, que em outubro chamou de “mera bravata” a disputa entre facções criminosas, a matança no maior presídio do Amazonas não foi surpresa.

Ao que tudo indica, os 56 presos mortos no Complexo Penitenciá­rio Anísio Jobim fazem parte da cronologia da guerra desatada em junho entre PCC e CV, inicialmen­te em torno da disputa pela fronteira entre Mato Grosso do Sul e Paraguai, principal porta de entrada de drogas no país.

No dia 15 daquele mês, o traficante Jorge Rafaat Toumani foi morto em Pedro Juan Caballero, fronteira seca com Ponta Porã (MS), em tiroteio que durou quatro horas e envolveu cerca de 70 criminosos. A ação foi atribuída ao PCC.

Em outubro, a guerra descambou em acertos de conta nos presídios do Norte, resultado de alianças do PCC e CV com organizaçõ­es regionais.

O primeiro massacre ocorreu em Boa Vista (RR), com dez mortos. Seguiu-se Porto Velho (RO), com oito, e depois Rio Branco (AC), onde houve quatro assassinat­os dentro de um presídio e cinco nas ruas em 24 horas. Em todos os casos, a causa foi a guerra entre facções.

Tampouco é novidade a incapacida­de dos superlotad­os presídios do Norte em administra­r suas unidades. “Há dez pessoas dentro de uma cela. Se alguém decide ali que vai executar alguém, fica muito difícil evitar”, disse Emylson da Silva, secretário de Segurança do Acre, após as mortes naquele Estado.

Os presídios de Manaus (AM) são o berço da FDN (Família do Norte), principal facção criminosa da região, adversária do PCC e apontada como mandante da matança.

Segundo a polícia, ela começou a se estruturar em 2007, em resposta à entrada no Estado do PCC, que buscava controlar a rota da cocaína vinda da Colômbia e os postos de venda de Manaus.

Os principais chefes da FDN estão presos no Compaj ou já cumpriram pena no presídio, de onde comandam o tráfico. Tido como o principal, José Roberto Fernandes Barbosa, o Zé Roberto da Compensa, cumpre pena no presídio federal de Campo Grande (MS).

Manaus atravessa seu momento mais violento da história. Com taxa de homicídio de 48 mortos por 100 mil habitantes (2015), é a 23ª com mais crimes do tipo do mundo, segundo ranking da ONG mexicana Seguridad, Justicia Y Paz. As mortes violentas no AM subiram 134% de 2004 a 2014.

Os números e os diagnóstic­os dos secretário­s de Segurança têm encontrado ouvidos moucos no ministro Moraes. Ao comentar as mortes em presídios do Norte em 18 de outubro, ele negou que houvesse briga de facções.

“Às vezes, há mera bravata entre as pessoas que fazem a rebelião. Fora isso, não há nada que indique essa coordenaçã­o em vários Estados”, afirmou Moraes na época.

Com governos estaduais sem capacidade de resposta, o massacre no Compaj provavelme­nte não será o capítulo final dessa guerra. Trata-se de saber onde ela ressurgirá e com qual grau de violência.

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