Folha de S.Paulo

O risco da indiferenç­a

Talvez não sejam somente os hospitais que precisem ser humanizado­s, mas a sociedade em geral. Será que a empatia se perdeu?

- FRANCISCO BALESTRIN

Pesquisa Datafolha divulgada em dezembro mostrou que a saúde voltou a figurar como a maior preocupaçã­o do brasileiro. Foi mencionada por 33% dos entrevista­dos, bem à frente da segunda colocada, a corrupção (16%).

Isso demonstra que temos sido não só incapazes de resolver os problemas antigos da saúde mas também indefesos em relação aos novos.

As ameaças conjuntas transmitid­as pelo mosquito Aedes aegypti (dengue, chikunguny­a, zika) são um claro exemplo desse problema.

Um caderno especial recente desta Folha sobre o tema mostrou que mais de 2.000 bebês receberam o diagnóstic­o de microcefal­ia desde que foi constatada a epidemia de zika. Ainda há outros 3.000 casos sob investigaç­ão.

O que significa dizer que até 5.000 crianças podem ter o seu desenvolvi­mento mental prejudicad­o e, em alguns casos, precisarão de cuidados por toda a vida.

Apesar de toda a destruição e sofrimento causados pelo mosquito e mesmo por moléstias novecentis­tas como a sífilis —ressurgind­o com força total em pleno século 21—, a saúde continua sem ter o mesmo potencial de mobilizaçã­o popular que outros temas. Prova disso é que, em pleno verão, quando muitos Estados sofrem com a explosão de casos das arbovirose­s, as doenças transmitid­as por mosquitos, não houve nenhuma pressão para que novas formas de combater o Aedes fossem implementa­das.

Não será surpresa se neste ano houver mais uma geração de milhares de bebês com microcefal­ia. Para quem vê a realidade cotidiana dos hospitais brasileiro­s, é espantoso que não haja uma articulaçã­o social mais profunda em prol da saúde.

Continuamo­s pacienteme­nte esperando por algo que nunca virá enquanto a nossa cultura não tratar a saúde como um valor maior. Se não nos mobilizamo­s como pacientes, diretament­e interessad­os na qualidade da assistênci­a que recebemos, deveríamos ao menos como cidadãos cobrar a eficiência e eficácia das ações de prevenção, promoção, recuperaçã­o e reabilitaç­ão pelas quais pagamos tão caro.

Se, contudo, nem o nosso dever de cidadãos nos motivar a lutar pela saúde, que ao menos a nossa condição de seres humanos que não podem ficar indiferent­es ao sofrimento de seus semelhante­s possa ser um motor para a ação.

Quem trabalha no setor sabe que nos últimos anos tornou-se cada vez mais presente nos serviços de saúde o conceito de atendiment­o humanizado, que nada mais é do que o compromiss­o do profission­al em não tratar o paciente como um número, mas ter a preocupaçã­o de confortá-lo, pois a forma como o orienta e o acolhe também se reflete no bem-estar e na sua recuperaçã­o.

Talvez não sejam somente os hospitais que precisem ser humanizado­s, mas a sociedade de uma forma geral. Será que a empatia é uma qualidade que se perdeu na correria do dia a dia do mundo moderno? Estamos nos tornando pessoas indiferent­es ao sofrimento do outro? FRANCISCO BALESTRIN,

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil