Folha de S.Paulo

Perguntas mórbidas

-

RIO DE JANEIRO - Em 1873, num quarto de hotel em Bruxelas, Paul Verlaine, 29 anos, atirou em Arthur Rimbaud, 19. O tiro acertou Rimbaud no pulso e de raspão, mas, por causa disso, Verlaine pegou dois anos de prisão, o romance entre os poetas teve fim e Rimbaud escreveu “Une Saison en Enfer”. Valeu. O revólver, um Lefaucheux 7mm, de cabo de madeira, foi devolvido à loja onde Verlaine o comprara e lá ficou até seu atual proprietár­io perceber a preciosida­de que tinha no cofre. Acaba de ser arrematado por um colecionad­or num leilão da Christie’s, de Paris, por 435 mil euros (R$ 1,56 milhão).

Pergunto-me que fim terá levado a espingarda com que Castro Alves se feriu no pé durante uma caçada nas matas do Braz, em São Paulo, em 1868, o que contribuir­ia para sua morte em 1871. O .38 com que, em legítima defesa, o cadete Dilermando de Assis matou Euclydes da Cunha, no Rio, em 1909. A faca com que Manso de Paiva apunhalou mortalment­e o senador Pinheiro Machado, também no Rio, em 1915. Ou a gravata com que Alberto Santos-Dumont se enforcou em Guarujá, em 1932.

Lá fora, eles são cuidadosos. Imagino que tenham sido guardadas a navalha com que Van Gogh decepou a própria orelha em 1888 e a arma com que finalmente se matou, em 1890. A espingarda calibre 12, de dois canos, que Ernest Hemingway disparou contra a cabeça no Idaho, em 1961. Ou a espada com que Yukio Michima praticou o “seppuku” e com a qual um amigo o decapitou, em 1970.

Eu sei, a pergunta é mórbida, mas onde estarão as armas com que os portuguese­s Camilo Castelo Branco, em 1890, e Antero de Quental, em 1891, o russo Vladimir Maiacóvski, em 1930, e o brasileiro Pedro Nava, em 1981, abreviaram suas vidas?

Às vezes, mais letal do que as balas é o caprichado bilhete ou carta deixado pelo suicida. A carta-testamento de Getulio, por exemplo. CLAUDIA COSTIN

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil