Folha de S.Paulo

Leitor de ‘Buck Rogers’

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RIO DE JANEIRO - Um livro recémlança­do, “A Invenção dos Discos Voadores — Guerra Fria, Imprensa e Ciência no Brasil (1947-1958)”, do historiado­r Rodolpho Gauthier Cardoso dos Santos, reconstitu­i a época, fascinante e inacreditá­vel, em que milhões no Brasil e no mundo viviam de olho no céu, em busca de objetos que rondavam a Terra não se sabia com que intenções. A paranoia era de tal ordem que até os cientistas vacilavam antes de classifica­r aquilo como fraude.

Eu próprio, garoto de pé no chão e nariz escorrendo, em meados dos anos 50, estava entre aqueles milhões. Leitor de “Buck Rogers no Século 25”, que abria em cores o Suplemento Dominical de quadrinhos do “Correio da Manhã”, vivia sonhando com um disco voador descendo no quintal. E meus pais se deixavam abastecer semanalmen­te pelas reportagen­s de João Martins em “O Cruzeiro”, nas quais os discos pareciam mais que uma possibilid­ade.

Em 1952, João Martins e o fotógrafo Ed Keffel publicaram suas sensaciona­is fotos do disco voador que só eles viram sobre a então deserta Barra da Tijuca. Pronto —não faltava mais nada. João Martins se tornou uma autoridade e continuou escrevendo sobre luas, satélites, marcianos etc., levando “O Cruzeiro” a vender milhões. Só que, com os anos, o interesse pelo assunto começou a diminuir e, por volta de 1960, ninguém mais queria saber de discos voadores, do “Cruzeiro” e do próprio João Martins.

Fui encontrá-lo em fins de 1967, na reportagem da “Manchete” —eu, “foca”, e ele, em fim de carreira. Era um baiano rosado e bonachão. Todo mundo lhe perguntava sobre o disco: “Era verdade mesmo?”. João Martins apenas sorria, enigmático.

Só muito depois descobri que devia ter-lhe perguntado sobre as famosas duas polegadas que teriam derrotado Marta Rocha no Miss Universo de 1954. E que ele também inventou. ANDRÉ SINGER avsinger@usp.br

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