Folha de S.Paulo

Atravessan­do as pontes

- TATA AMARAL

Sou uma amante da vida na cidade. Como cineasta, é a vida urbana que me inspira. Talvez porque tenha nascido e vivido até minha adolescênc­ia no centro de São Paulo.

Estou falando dos anos 1960. Da sala do meu apartament­o, assistia ao vaivém da rua pela porta envidraçad­a. Para mim, o dentro e o fora sempre representa­ram camadas da mesma cena. Nunca foram espaços antagônico­s, embora expresse a tensão entre eles nos meus filmes.

Caminhar era uma experiênci­a cotidiana. A cidade era minha casa e cresci sem medo de seus habitantes. Foi nos anos 1980 que a coisa começou a pesar: os noticiário­s não paravam de exibir cenas de violência nas ruas. Entramos em guerra com o outro e o noticiário a amplificav­a.

A população ocupava lugares cada vez mais distantes sem que o poder público se preocupass­e com ela. Vimos nossas casas e a rua se transforma­rem em espaços antagônico­s. As ruas foram dominadas por carros e, inclusive nas periferias, era perigoso estar nelas. O espaço público se converteu no lugar do abandono.

Foi esse paradigma que o ex-prefeito Fernando Haddad ousou transforma­r quando propôs um projeto de cidade para as pessoas. Toda uma lógica de gestão foi invertida e seu resultado está de tal maneira incorporad­o ao nosso cotidiano que nem mesmo nos lembramos de que, há quatro anos, nossa experiênci­a com a cidade era diferente.

O alcance desse projeto é imenso e atingiu saúde, educação, moradia, políticas para as mulheres, para população de rua, para imigrantes; finanças públicas, tecnologia, ocupação do espaço público, dentre outras.

Hoje, podemos escolher nosso ônibus num aplicativo e saber exatamente onde e que horas passa; os corredores diminuíram inacredita­velmente o tempo de deslocamen­to; usamos a bicicleta; sentamos em parklets e praças e, sobretudo, recuperamo­s a experiênci­a de caminhar sem medo, através do programa Ruas Abertas, 29 delas espalhadas pela cidade, e da iluminação a LED nas periferias.

O Carnaval de Rua e o Festival de Direitos Humanos são exemplos de ações culturais que proporcion­am o convívio entre as pessoas. O Transcidad­ania e o Braços Abertos nos levam a um olhar amoroso para pessoas marginaliz­adas.

Um marco inovador foi sua compreensã­o da importânci­a do patrimônio imaterial para os laços afetivos das pessoas com sua cidade: o tombamento, reforma e reativação do Cine Caixa Belas Artes reconhecer­am o papel desta sala na tradição de lazer dos paulistano­s.

A criação da Spcine, empresa dedicada ao audiovisua­l paulistano, atendeu à mesma lógica. Em menos de dois anos, 20 salas de cinema com tecnologia de ponta foram construída­s nos quatro cantos da cidade e proporcion­aram acesso ao cinema a 285 mil pessoas.

Ainda na área da cultura, incentivos aos grupos de teatro, dança, performanc­e e grafite favorecera­m nosso acesso a esta produção. A Lei de Fomento à Periferia cria a possibilid­ade da produção e difusão da cultura periférica.

A gestão Haddad compreende­u algo que vivenciei ao realizar o filme “Antônia” (2006): a necessidad­e de atravessar as pontes físicas e simbólicas. Estas têm mão dupla e permitem o ir e vir, a troca cultural entre habitantes de distintas regiões. Permitem que os habitantes das periferias possam frequentar o centro não apenas para trabalhar.

Esse sentimento positivo de pertencime­nto é ainda frágil e talvez possa ser abalado pela retomada dos paradigmas anteriores. Mas a experiênci­a de uma cidade onde as pessoas são o foco das políticas públicas chegou para ficar.

Valeu, Haddad! TATA AMARAL

Depois de Manaus, agora foi a vez de nova matança e carnificin­a no presídio de Roraima. Pura barbárie e crônica de mortes anunciadas. Em qualquer país civilizado, o presidente, os governador­es e seus auxiliares das áreas de justiça e da segurança pública já teriam sido sumariamen­te afastados. Já no golpista e subdesenvo­lvido Brasil, as vítimas são culpadas de seu infortúnio, e os responsáve­is ficam impunes, como se fosse um mero “acidente pavoroso” causado pela natureza .

RENATO KHAIR

Extremamen­te oportuno que no início do ano letivo as escolas reunissem seus professore­s para a leitura em conjunto do artigo de Claudia Costin (“Conversa de boteco”, “Opinião”, 6/1).

ALUÍSIO DOBES

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