Folha de S.Paulo

Ao longo desta sexta-feira, duas versões oficiais foram apresentad­as sobre a matan-

- RUBENS VALENTE SÔNIA LÚCIA NUNES

COLABORAÇíO PARA A EM BOA VISTA (RORAIMA)

Quatro dias após a morte de 60 detentos em duas penitenciá­rias de Manaus (AM), outros 31 presos foram assassinad­os na madrugada desta sexta (6), desta vez na maior penitenciá­ria de Roraima.

A nova matança no sistema carcerário brasileiro, mais uma vez com cenas de barbárie de presos decapitado­s, está entre as três maiores chacinas em presídios do país após o massacre do Carandiru, em 1992, em São Paulo, quando PMs mataram 111 presos.

Apenas nos seis primeiros dias de 2017 foram registrada­s 93 mortes em presídios do país —AM (60), RR (31) e PB (2). O número representa 25% do total de mortes registrada­s em todo o ano passado (372) e mais uma vez coloca sob pressão o governo Temer (PMDB).

Um dia antes, o governo federal havia anunciado medidas requentada­s que, se efetivadas, irão reduzir somente em 0,4% o atual deficit de 250 mil vagas no sistema carcerário de todo o país. O Brasil tem hoje cerca de 640 mil pessoas atrás das grades.

Em relação à matança de Roraima, Temer logo emitiu uma nota na qual lamentou as mortes e prestou solidaried­ade à população local. No caso do Amazonas, ele foi alvo de críticas por ter levado três dias para tocar no assunto.

Já a OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) promete levar à Corte Interameri­cana de Direitos Humanos as matanças em Manaus e em Boa Vista. Segundo o órgão, o objetivo é fazer com que os Estados tomem providênci­as. “O Estado precisa retomar, urgentemen­te, o controle das prisões que estão nas mãos do crime organizado”, disse, em nota. VERSÕES FOLHA, ça na Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo, a cerca de 10 km do centro de Boa Vista.

Pela manhã, o governo de Roraima disse que as mortes eram uma reação da facção criminosa PCC ao massacre recente de Manaus.

Na capital do Amazonas, a maioria dos mortos era ligada a essa facção, após a invasão de uma ala por integrante­s da FDN (Família do Norte), braço do Comando Vermelho que disputa com o PCC a hegemonia nos presídios do Norte.

À tarde, porém, o secretário estadual Uziel Castro (Justiça) disse à Folha que a chacina foi “uma barbárie” cometida por membros do PCC como “uma política de organizaçã­o criminosa”.

“Era uma política que eles [o PCC] tinham que fazer, um ato, para dizer que era uma vingança [do caso de Manaus], e escolheram para serem mortos alguns estuprador­es e pessoas que talvez não quisessem ter aderido à organizaçã­o criminosa deles.”

“Não houve briga de facção, não houve fuga. O que houve foi uma barbárie, uma ação de membros da organizaçã­o PCC, que mataram pessoas ali dentro.” Segundo o secretário, dos 1.500 detentos “segurament­e uns 500” estão filiados ao PCC por meio de “batismo”.

Ainda segundo o secretário, havia informaçõe­s dos serviços de inteligênc­ia das polícias “todo dia” de que poderiam ocorrer fugas, mas não uma chacina.

Entre os mortos estão presos que ainda não haviam sido condenados em instância final de julgamento, os chamados presos provisório­s.

“Presos do regime fechado mataram presos do regime fechado, presos do regime provisório mataram presos do regime provisório, presos do setor de segurança [ameaçados por terem cometidos crimes como estupro] mataram presos desse setor”, completou.

Essa segunda versão do governo de RR seguiu a mesma linha do Palácio do Planalto.

No ano passado, na Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo e na Penitenciá­ria Ênio dos Santos Pinheiro, diferenças entre o PCC e o Comando Vermelho deixaram um saldo de 18 presos mortos.

Desde então, o governo do Estado passou a pedir ajuda ao governo federal. Em dois ofícios enviados ao ministro Alexandre de Moraes (Justiça), a governador­a Suely Campos (PP) solicitou em caráter de urgência apoio para controlar rebeliões e brigas entre facções. O ministério, porém, negou esses pedidos.

Em um dos documentos, consta a descrição de uma crescente tensão entre membros do Comando Vermelho e do PCC. Na resposta, em ofício, Moraes disse que, “apesar do reconhecim­ento da importânci­a do pedido”, “infelizmen­te, por ora, não poderemos atender ao seu pleito”.

Em entrevista nesta sexta, o ministro de Temer primeiro disse que o pedido foi negado pois se tratava de uma solicitaçã­o de auxílio à “segurança pública” comum, decorrente da presença de traficante­s oriundos da Venezuela.

Depois voltou atrás e, em nota, afirmou que recebeu sim o pedido da governador­a, mas teve de negá-lo pois, segundo ele, a Força Nacional de Segurança não pode atuar dentro dos presídios —apenas em caso de rebelião, por exemplo.

Há dois dias, RR pediu a transferên­cia de oito chefes do PCC para presídios federais, o que ainda estava sob a avaliação da Procurador­ia. SUPERLOTAÇ­ÃO o presídio tem capacidade para 750 pessoas, mas abrigava 1.475 detentos.

Relatório da OAB local, de 2016, apontou que quase mil desses estavam presos preventiva­mente, sendo que 180 deles nunca tinham sido ouvidos em juízo.

Ainda segundo a entidade, o presídio tem esgoto e valas a céu aberto, celas sujas, sem higiene e sem ventilação, além de infiltraçõ­es, presos doentes, sem tratamento médico e sendo cuidados por outros detentos.

Na manhã desta sexta-feira, policiais entraram no presídio e montaram um bloqueio a 2 km para evitar a aproximaçã­o de familiares, que aguardavam aflitos por informaçõe­s dos presos. Mesmo à distância, era possível ouvir barulho de tiros e bombas no local.

 ?? Alfredo Maia/Folhapress ?? Governo federal negou pedido de ajuda a RR no final do ano passado; Temer muda tom e logo se manifesta sobre caso Detentos da Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), carregam corpos de presos mortos em massacre na madrugada desta sexta (6)
Alfredo Maia/Folhapress Governo federal negou pedido de ajuda a RR no final do ano passado; Temer muda tom e logo se manifesta sobre caso Detentos da Penitenciá­ria Agrícola de Monte Cristo, em Boa Vista (RR), carregam corpos de presos mortos em massacre na madrugada desta sexta (6)

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