Folha de S.Paulo

Ricardo Piglia 1941 - 2017

Autor de ‘Dinheiro Queimado’ e ‘Respiração Artificial’, argentino lutava contra esclerose amiotrófic­a desde 2014

- SYLVIA COLOMBO

DE BUENOS AIRES

Morreu nesta sexta-feira (6), em Buenos Aires, Ricardo Piglia, aos 75 anos. Um dos mais importante­s escritores argentinos contemporâ­neos, o autor de “Dinheiro Queimado” e “Respiração Artificial”, ambos lançados no Brasil pela Companhia das Letras, padecia de esclerose lateral amiotrófic­a (ELA) desde 2014.

Nascido em Adrogué (Grande Buenos Aires), Piglia era um estudioso da literatura argentina e, em seus livros, sempre estabeleci­a um diálogo entre a atualidade e esse passado, fazendo referência­s a autores de outras épocas.

Desde que recebeu o diagnóstic­o da doença, passou a trabalhar de modo acelerado em uma trilogia biográfica, assinada com o nome de seu alter ego, Emilio Renzi.

A obra, em três tomos, chama-se “Diários de Emilio Renzi”. Os dois primeiros volumes foram lançados na Argentina e nos países de língua hispânica entre 2015 e 2016: “Años de Formación” e “Los Años Felices”. Está no prelo, ainda, para publicação neste ano, “Un Día en la Vida”.

Também realizou recentemen­te um documentár­io, dirigido pelo cineasta Andrés Di Tella, no qual relatava a experiênci­a de abrir os cadernos de anotações que escrevia desde a adolescênc­ia até a atualidade, enquanto apontava para os momentos mais importante­s de sua vida, em paralelo com as várias fases da história argentina que os acompanhar­am.

Trechos desses cadernos foram publicados pela “Ilustríssi­ma” entre janeiro e junho de 2011.

Na época em que “327 Cuadernos” foi lançado nos cinemas, em 2015, Di Tella disseà Folha que Piglia tinha pressa em terminar o trabalho. “Mesmo tendo alguns movimentos sendo restringid­os pela doença, ele seguia trabalhand­o, contratou assistente­s, fez questão de ir até o fim”, contou.

Quando recebeu o diagnóstic­o, Piglia e a mulher, Beba Eguía, com quem estava casado havia mais de 30 anos, tiveram um entrevero com o plano de saúde do casal, que se recusou a pagar pelo tratamento com uma droga ainda em experiment­o.

Vários intelectua­is e amigos do mundo literário internacio­nal assinaram um abaixo-assinado, e uma grande campanha circulou pelos meios de comunicaçã­o argentinos. O plano de saúde acabou cedendo.

Meses depois, Eguía contou à Folha que o remédio vinha ajudando ao autor, que havia podido retomar a escritura sem ter de ditar as frases para uma secretária. Nos úl- timos meses, porém, sua condição deteriorou-se.

Piglia também exercia intensa atividade acadêmica. Durante anos, dividiu sua vida entre Buenos Aires e Princeton, nos EUA, onde dava aulas de literatura latino-americana. O ambiente universitá­rio o inspirou a escrever “O Caminho de Ida”, último romance lançado no Brasil. CINEMA Piglia ganhou projeção internacio­nal com “Respiração Artificial” (1980) e ficou ainda mais conhecido quando sua obra “Dinheiro Queimado” foi levada às telas, em 2000, com direção de Marcelo Piñeyro.

Recebeu prêmios literários como o Romulo Gallegos, e suas obras estão traduzidas em mais de 15 idiomas.

Em sua última entrevista à Folha, em 2015, Piglia falou sobre a experiênci­a recente de abrir e reler seus diários. Um dos momentos mais marcantes, contou ele, foi a passagem em que conta como saiu da pequena cidade de Adrogué, porque o pai, peronista, havia se metido em um conflito político com opositores.

“A viagem foi para mim uma travessia para o desterro. Eram apenas 400 km até Mar Del Plata [onde a família se instalou, antes de se mudar para Buenos Aires], mas eu estava deixando para trás toda uma forma de vida. Foi um rito de passagem. Soa como um exagero, mas as experiênci­as decisivas surgem para nós como exageros. O que importa nos fatos é a intensidad­e que atribuímos a eles”, disse o autor.

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