Folha de S.Paulo

ANÁLISE Ex-editor terá na biblioteca o seu primeiro emprego da vida

- MAURÍCIO MEIRELES

É comum lembrar uma ideia reforçada pelo escritor argentino Jorge Luis Borges: a biblioteca é onde o homem pode ter uma experiênci­a com o infinito. Para quem ama os livros, entrar nela sempre traz uma sensação de assombro —e um imediato reconhecim­ento da própria insignific­ância.

Charles Cosac, o novo diretor da Biblioteca Mário de Andrade, deve saber o que é essa sensação. Não se pode negar sua vocação humanista —uma qualidade que anda em falta por aí, mas necessária para ser o guardião do segundo mais importante acervo do país (o primeiro é o da Biblioteca Nacional). Mas será o suficiente? Apesar do lugar que Charles ocupa em nosso imaginário cultural, é surpreende­nte sua indicação para dirigir a Mário de Andrade, especialme­nte em um prefeitura que diz prezar pela gestão.

A Cosac Naify, afinal, foi uma editora que viveu boa parte de sua existência no vermelho —e que dependeu de aportes financeiro­s de Michael Naify e, depois, de Charles. Até dezembro de 2015, quando Charles anunciou o fechamento da casa.

A concluir de suas declaraçõe­s públicas, a direção da Mário de Andrade será o primeiro emprego de Charles. Ele disse, certa vez, em uma entrevista: “Se você me colocar perto de um homem que se sustenta, eu pareço um retardado perto dele. Isso já me incomodou muito, mas não me importo mais.”

Ex-funcionári­os da editora paulistana costumam reconhecer que, apesar dos esforços para que a empresa desse certo, no fundo havia a sensação de que existia uma fonte de recursos a que se podia recorrer se fracassass­em —a fortuna dos Naify e dos Cosac.

Assim, como o ex-editor lidará com os limitados recursos da prefeitura?

Publicamen­te, Charles alimenta a imagem de um homem com personalid­ade ora exuberante, ora errática. Ele próprio, em entrevista­s, costuma ironizar sua falta de tino para os negócios.

Quando morou na Rússia, diz ter recebido o apelido de Oblómov, protagonis­ta do romance homônimo de Ivan Gontcharóv. Aristocrat­a, o personagem é um procrastin­ador compulsivo que vive entre o sofá e a cama, entrando em crise sempre que um empregado aparece para lhe lembrar da vida prática.

Há ainda a ironia de Charles passar a compor uma gestão a qual já se referiu com desprezo. À revista “Veja São Paulo”, em dezembro, ele comentou sobre a eleição de João Doria:

“Ele age como um Trump, um self-made man que vai fazer todo mundo ficar rico em São Paulo. E isso não vai acontecer. Fiquei passado com a vitória contundent­e dele. E frustrado.”

Sobre Bia Doria, a primeira-dama, ele disse: “Aquelas cópias do Frans Krajcberg que ela faz, acho tudo uma coisa de mau gosto, patético. É a cafonice de São Paulo, a parte da cidade que realmente me assusta.” PANCADÃO

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Karime Xavier/Folhapress Cadão Volpato no Cento Cultural São Paulo, na rua Vergueiro, 1.000; de frequentad­or, jornalista e músico passou a diretor

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