Folha de S.Paulo

CORRIDA CONTRA O TEMPO Só 4% dos brasileiro­s poupam para a velhice

Levantamen­to do Banco Mundial mostra que o Brasil é um dos países em que o hábito de economizar é mais fraco

- ANA ESTELA DE SOUSA PINTO

Para especialis­tas, ações que fizessem as pessoas investir mais teriam mais efeito que educação financeira

Preocupado porque o dinheiro da aposentado­ria vai secar e você não tem reservas para garantir seu nível de vida até os 80, 90 ou 100 anos?

Você não está sozinho. Em cada 100 brasileiro­s, só 4 separam recursos para os anos finais, o índice mais baixo das Américas e um dois piores do mundo. Em levantamen­to de 143 países feito pelo Banco Mundial, só 11 estão abaixo.

A imprevidên­cia atinge até os brasileiro­s de renda mais alta, e não é uma questão de pobreza: o Brasil perde de nações como Congo, Maláui ou Togo, que têm PIB per capita próximo de US$ 1.000 em paridade de poder de compra, medida que permite melhor comparação entre os países.

No Brasil, o PIB per capita foi US$ 15,4 mil em 2015, semelhante ao da Tailândia, em que 60% poupam para a velhice. Os dados, de 2014, foram retrabalha­dos em 2016 visando especifica­mente a reserva para a idade avançada.

O estudo do Banco Mundial encontrou forte correlação entre a economia para a velhice e o hábito geral de poupança. Em países asiáticos, onde a maioria das pessoas faz reservas financeira­s de forma regular, a porcentage­m dos que poupam para os anos finais também é mais alta.

Na Tailândia, 80% da população declara ter poupado algum dinheiro nos 12 meses anteriores. No Brasil, são 28% (o 14º pior índice no mundo).

Executivos do setor atribuem isso à herança do período de inflação descontrol­ada que durou até os anos 1990. “Há 20 anos, mal era possível planejar para o fim do mês”, dizPauloVa­lle,vice-presidente da Fenaprevi, federação do setor de previdênci­a privada.

“Não existiam no mercado produtos para a aposentado­ria”, afirma Flavio Kokis, diretor da Guide Life, uma empresa de planejamen­to financeiro. Segundo Kokis, 90% das famílias que o procuram não têm reserva financeira.

“Nãoconsigo­pensarnode­pois. Se quero uma coisa, compro.Nuncaconse­guipoupar”, diz a analista de eventos Fádua Silva, 28, que tem renda própria desde os 18.

Casos como o de Fádua são comunsentr­eosquenãop­oupam, segundo pesquisado­res da área. Experiment­os con- duzidos por psicólogos desde os anos 1960 mostram que crianças conseguem conter a vontade de comer marshmallo­w quando são informadas de que ganharão mais doce se esperarem. Ou seja, para ter dinheiro no futuro, é preciso abrir mão de gastá-lo já.

Conhecer as causas não basta, porém. A educação financeira, por exemplo, tem alta correlação com poupança. Mas estudos indicam que mesmo os mais ricos e escolariza­dos ignoram conceitos como diversific­ação, juros compostos, custo-benefício e a relação entre risco e lucro.

O investimen­to em educação financeira, portanto, é alto e obtém pouco resultado

FÁDUA SILVA

analista de eventos duradouro, segundo as pesquisas. São as ações diretas sobre o comportame­nto que alcançam êxito maior e mais rápido, diz Leora Klapper, economista-chefe do time de pesquisa em finanças e setor privado do Banco Mundial.

Ter sua própria conta bancária é um fator importante, principalm­ente se houver facilidade para transferir recursos e fazer investimen­tos.

Klapper relata experiênci­as em Gana e em Bangladesh, em que cidadãos recebem no dia do pagamento um lembrete para poupar. Em Gana, 55% têm o hábito de poupar e 13% economizam para a velhice. No país asiático, são 24% e 6%, respectiva­mente.

Políticas públicas também são fundamenta­is para a transição da seguridade social para um modelo de planos privados, argumenta uma das principais especialis­tas em previdênci­a e educação financeira do mundo, a professora Olivia Mitchell, de Wharton, a escola de negócios da Universida­de da Pensilvâni­a.

“Isenções fiscais, por exemplo, podem incentivar investimen­tos em alguns tipos de previdênci­a, mas ainda assim boa parte da população só poupará se houver adesão automática”, diz ela.

“extremo, mas há uma tendência da minha geração de guardar menos dinheiro e acreditar que tudo vai dar certo. Se der errado, a gente sempre pode correr para a casa dos pais

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Adriano Vizoni/Folhapress Fádua Silva, 28, analista de companhia farmacêuti­ca

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