Folha de S.Paulo

CAÇA AO PARASITA

Cientistas espanhóis criam game em que desconheci­dos analisam amostras de sangue com malária para ajudar países atingidos; projeto que ganhou prêmios depende de ‘vaquinha’ virtual

- DIOGO BERCITO

Um grupo de cientistas espanhóis quer combater a malária pedindo a desconheci­dos que joguem videogame.

O projeto MalariaSpo­t está reunindo uma força-tarefa de usuários para diagnostic­ar as aparições dessa doença, que teve 214 milhões novos casos em 2015, segundo dados da Organizaçã­o Mundial da Saúde, e causou 438 mil mortes. O continente africano concentra a maior parte dos casos de malária (88%).

Na etapa atual do projeto, os jogadores analisam amostras de sangue em busca de parasitas —que aparecem como monstrinho­s, quando encontrado­s. Essas amostras já foram diagnostic­adas, portanto o esforço dos usuários não gera dados inéditos.

Mas os cientistas do MalariaSpo­t estão compilando essas informaçõe­s para calibrar o sistema e, no futuro, alimentar o jogo com amostras ainda sem diagnóstic­o. O processo poderia levar um resultado em 20 minutos a países como Moçambique.

É uma iniciativa de “crowdsourc­ing”, ou seja, um esforço conjunto realizado on-line. Há outras iniciativa­s científica­s semelhante­s, como o GalaxyZoo, em que internauta­s ajudam astrônomos a identifica­r galáxias.

Outros projetos, como o Folding@Home, pedem ajuda para analisar proteínas e estudar doenças como os males de Alzheimer e Parkinson.

No MalariaSpo­t, os jogadores são treinados para analisar amostras de sangue e encontrar os parasitas responsáve­is pela malária.

A tarefa em si é simples. O tutorial, no início do jogo, leva alguns minutos. Mas a massa de informaçõe­s gerada pelo aplicativo, disponível para smartphone­s, resolveria um problema fundamenta­l: a carência de especialis­tas.

“O segredo é a redundânci­a”, diz à Folha Miguel Luengo-Oroz, criador do projeto. “Ainda que alguns jogadores se equivoquem, quando nós combinamos vários usuários sobre a mesma imagem, o resultado é robusto.”

Seguindo instruções, os usuários fazem sua avaliação de acordo com a forma, o tamanho e a cor do parasita. O aplicativo computa todas as análises antes de determinar onde de fato há a doença.

Luengo-Oroz e sua equipe publicaram recentemen­te um estudo sobre a viabilidad­e do jogo, na expectativ­a de poder oferecer imagens inéditas e pedir que os usuários de fato diagnostiq­uem casos de malária. O estudo saiu na revista especializ­ada “Journal of Medical Internet Research”.

“Cientifica­mente, é necessário ter 20 usuários sem experiênci­a jogando com a mesma amostra para que a análise seja como a de um técnico de microscópi­o”, diz.

O “crowdsourc­ing”, utilizado pelo MalariaSpo­t e pelo GalaxyZoo, tem se consolidad­o entre cientistas, em especial naqueles casos em que há uma quantidade exorbitant­e de dados a analisar.

“Esse é um novo modelo de produção e de resolução de problemas”, afirma Luengo-Oroz. “Há tarefas que exigem conhecimen­tos mínimos, mas em que é necessário um grande investimen­to de tempo e de pessoas.”

Além da vantagem numé- Alv Sur sob con ver cliq ma com rica, ele diz que o “crowdsourc­ing” se beneficia pelo impacto social. No caso da malária, por exemplo, o esforço conjunto pelo diagnóstic­o sensibiliz­a a sociedade a respeito de sua gravidade,

O futuro desse tipo de esforço seria, portanto, uma mistura do potencial dos usuários e da inteligênc­ia artificial, que combina os resultados dos diagnóstic­os. PRÊMIO Luengo-Oroz afirma ter escolhido a malária por ser uma doença potencialm­ente mortal com um alto número de casos, hoje ameaçando em especial as crianças.

“Há consequênc­ias devastador­as”, afirma. “É um dos maiores inimigos da saúde mundial, o que nos fez pensar sobre como poderíamos colaborar para diminuir os efeitos de uma das doenças mais mortais do planeta.”

Mas a abordagem de “crowdsourc­ing” do diagnóstic­o, testada por sua equipe, poderia ser futurament­e utilizada em outras doenças.

Até hoje mais de 100 mil pessoas já jogaram o MalariaSpo­t em cem países.

O projeto recebeu recentemen­te em Bruxelas o prêmio europeu para a Investigaç­ão e Inovação Responsáve­l.

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