Folha de S.Paulo

É favorito ao prêmio de melhor do mundo da Fifa

Obcecado pela vitória desde criança, Cristiano Ronaldo

- DIOGO BERCITO

A obsessão de Cristiano Ronaldo, 31, pela vitória pode ser satisfeita nesta segunda (9) quando a Fifa anunciar o troféu de melhor jogador do mundo de 2016. Ele é favorito contra o argentino Lionel Messi, do Barcelona, e o francês Antoine Griezmann, do Atlético de Madri.

Cobiçar o troféu e não gostar de perder não são caracterís­ticas únicas desse jogador português, conhecido como CR7 —junção de suas iniciais e número de camisa.

Mas a relação dele com o pódio e seu horror à derrota são traços particular­es, repetidos por pessoas entrevista­das pela Folha nas últimas semanas em Lisboa e Madri.

Atleta desde criança e desde então fixado na ideia de ser o melhor, seu retrato se assemelha ao dos heróis dos épicos gregos, descritos na antiguidad­e pelo empenho em destacar-se, mas também pelo seu descomedim­ento. MAGRICELA Cristiano Ronaldo nasceu na ilha de Madeira em 1985. Ele driblava, nas ladeiras, com garrafas descartáve­is e sacos plásticos, até começar a treinar com o clube local, Andorinha, aos oito anos.

“Ele era muito magrinho, pequeninin­ho”, diz Ricardo Santos, seu colega àquela época e hoje treinador.

CR7 já superava os demais jogadores, conta Santos, tanto que treinava entre os mais velhos. Era o mais ágil. “Mas ninguém suspeitava que ele iria ser quem é hoje”, diz.

Já se via, no entanto, que ele não se acostumava às derrotas. O jogador magricela foi apelidado pelos companheir­os de “chorão” —adulto, trocou o pranto por demonstraç­ões de raiva e caretas.

Fora do gramado, o tristonho jogador estendia seus treinos às ruas, onde aprendeu a irreverênc­ia. “Hoje os miúdos estão todos em academias de futebol e são parecidos uns com os outros”, afirma Santos. CR7, não.

Aos 12 anos, a fama de Cristiano Ronaldo chegou ao Sporting de Lisboa, que interessou-se pelo menino. Alguém teve a ideia de trocá-lo por uma dívida do Andorinha no valor de € 25 mil (R$ 84,5 mil em valores atuais).

Aurélio Pereira, olheiro do Sporting, sugeriu que CR7 treinasse por uma semana em Lisboa para uma avaliação. “No segundo dia, tomamos a decisão”, conta, na academia de talentos do time.

Pereira se impression­ou por duas coisas. O talento visível a olho nu e a habilidade de dominar o ambiente.

“Os jogadores são as melhores testemunha­s, nesses casos. Ou eles não passam a bola ou imediatame­nte passam e chamam o novo colega pelo nome. Os mais velhos estavam rendidos a ele”, diz.

A decisão de convidar o rapazola era, porém, delicada. CR7 teria que viver sem os pais, em Lisboa, fazendo embaixadin­has entre a escola e os treinos. “Teríamos a responsabi­lidade de cuidar do filho dos outros”, diz Pereira, com quem o jogador estabelece­u laços quase familiares.

Cristiano Ronaldo tinha, naqueles anos, um sotaque com toques de Madeira. “Ele esticava um bocadinho as vogais”, diz o olheiro. Os outros jogadores faziam troça dele. “Ele é muito orgulhoso, é claro que não gostava.” PENSÃO O madeirense viveu por anos na pensão Dom José, no centro de Lisboa, onde a reportagem da Folha se hospedou. Ele dividia um quarto com paredes cor de salmão e

LUIZ FELIPE SCOLARI

Técnico de Cristiano Ronaldo na seleção portuguesa entre 2002 e 2008 sem banheiro. Ficaram ali, além da fama, as memórias.

“Todos os meninos brincavam. O Ronaldo, não”, diz a camareira Maria José Lopes. “Ele chegava dos treinos, ia ao banho ouvindo música e depois agarrava os halteres.”

A rotina de treinos incluía, então, duas passagens diárias pelo boteco Magriço. Cristiano Ronaldo comia um sanduíche e um pastel de Belém pelas manhãs.

“Dava para ver que ele era muito trabalhado­r”, conta o garçom Antonio Gonçalves, que serviu o jogador desde os 12 até os 17 anos. “Ele vinha treinar fora do horário, chutar bola contra a parede.”

Mas Gonçalves, ao contrário da camareira Lopes, se lembra também de um CR7 brincalhão, menos sisudo.

“Eles voltavam à noite do treino e simulavam um acidente de carro, batendo nas latas de lixo”, afirma.

Cristiano Ronaldo deixou Portugal em 2003 para jogar no Manchester United, da Inglaterra, onde ficou até 2009. O atacante em seguida concretizo­u seu sonho de jogar no Real Madrid, da Espanha.

Mas os laços com o país natal seguem firmes. As testemunha­s de seus feitos ouvidas pela reportagem em Portugal, assim como seus fãs, demonstrav­am afeto pelo jogador. Já se fazia planos, em dezembro, sobre onde acompanhar o anúncio do troféu de melhor do mundo.

Cristiano Ronaldo se distingue do arquirriva­l Messi por já ter conquistad­o o próprio país. Messi ainda parece precisar se provar na Argentina, mas CR7 tem Portugal no lugar da bola: aos pés.

O brasileiro Luiz Felipe Scolari, que chefiou o time nacional de Portugal entre 2002 e 2008, lembra-se do gajo com carinho. Ambos estabelece­ram uma relação forte quando Scolari lhe comunicou a morte de seu pai, em 2005, por complicaçõ­es relacionad­as ao alcoolismo.

“A lembrança que tenho do Cristiano é a de um jovem dedicado, humilde, esforçado e muito atento a detalhes que pudessem ajudar a se tornar o que sonhou”, recorda. Sporting PRINCIPAIS CONQUISTAS Quando 2007/08 2016 MÉDIA DE GOLS Em clubes, como profission­al Temporada Partidas Gols 2002-2003 33 5 2003-2004 2004-2005 2005-2006 2006-2007 2007-2008 2008-2009 2009-2010 2010-2011 2011-2012 2012-2013 2013-2014 2014-2015 2015-2016 2016-2017 TOTAL Gols por partida 0,15 SELEÇÃO PORTUGUESA (Seleção principal; 1ª convocação em 2003) Jogos Gols NºS GERAIS Jogos Gols Manchester United Vitória Liga dos Campeões Bola de Ouro 40 50 47 53 49 53 35 54 55 55 47 54 48 19 692 Melhor colocação 4º (2006)

“que tenho do Cristiano [Ronaldo] é a de um jovem dedicado, humilde, esforçado e muito atento a detalhes que pudessem ajudar a se tornar o que sonhou

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