Folha de S.Paulo

Casey Affleck

Sai da sombra do irmão Ben e larga na frente pelo Oscar com ‘Manchester à Beira-Mar’

- RODRIGO SALEM DE LOS

Depois de anos vivendo sob a sombra de Ben, o irmão três anos mais velho, o ator Casey Affleck, 41, agora parece preparado para assumir um novo status na indústria cinematogr­áfica.

Além de ter vencido diversos prêmios da crítica americana, é o favorito para conquistar o Oscar de melhor ator por “Manchester à Beira-Mar”, de Kenneth Lonergan (“Conte Comigo”), que estreia no Brasil em 19/01.

Bem, “preparado” talvez não seja a palavra correta. Casey não é um daqueles atores moldados para a fama —palavra que ele diz odiar.

Mesmo neste que foi o melhor ano da sua carreira —superando até mesmo 2007, quando foi indicado ao Oscar de ator coadjuvant­e por “O Assassinat­o de Jesse James”—, ele se empolga muito mais quando cito que sempre o vejo na padaria do bairro tomando café do que falando sobre suas performanc­es.

“Não estou fazendo drama”, diz ele ao soltar um raro sorriso em meio a declaraçõe­s que soam mais banais por causa da sua voz anasalada, quase lamuriante. “Mas há dias que sinto que meu tanque está vazio. Outros, que está cheio. Neste momento, estou na metade dele. Há atores que perseguem essas coisas de estar na capa da revista ‘People’ e gostam de promover seus divórcios, ou apenas são jogados nela contra suas vontades. Graças a Deus, não sou nenhuma dessas pessoas.”

Talvez isso explique parte do tratamento midiático diferencia­do que o ator tem recebido nesta temporada de premiações nos EUA. PROCESSO Em 2010, quando dirigiu e atuou com o cunhado Joaquin Phoenix no pseudodocu­mentário “Eu Ainda Estou Aqui”, ele foi acusado por duas mulheres da equipe (a diretora de fotografia Magdalena Gorka e a produtora Amanda White) de má conduta sexual.

No processo, elas alegaram que Affleck abusou verbalment­e delas, chamava as mulheres de “vacas”, mandou um membro da produção exibir o pênis para as duas e ainda acordou seminu ao lado de uma delas. Quando as vítimas resolveram pedir demissão do projeto, ele ameaçou não pagá-las.

O processo nunca chegou aos tribunais. Um acordo — que seria de US$ 2 milhões para cada uma— encerrou a briga e uma cláusula de confidenci­alidade foi adicionada. Affleck não fala sobre o assunto.

Ironicamen­te, uma das preocupaçõ­es de Affleck é com o abuso de poder, tema de “Triplo 9”, lançado no início do ano passado ao mesmo tempo em que “Manchester à Beira-Mar” se destacava no Festival de Sundance.

“Estamos falando em um país que tem mais armas que pessoas. Não devemos falar apenas sobre abuso de poder por parte de policiais, mas de professore­s ou qualquer tipo de servidor público. Minha mãe é professora e, sei que vai parecer banal, mas precisamos investir em escolas, na melhoria das prisões, na força policial. Há uma militariza­ção na nossa cultura que precisa ser revista.”

A resposta mais complexa é fruto de um ator criado em um ambiente altamente politizado. Mesmo quando decidiu se mudar para Los Angeles, aos 18 anos, para filmar “Um Sonho Sem Limites” (1998), Affleck não se ajustou ao clima da cidade e decidiu estudar política na George Washington University, em Washington. O fato de não ter completado a graduação ainda o assombra, mesmo prestes a ganhar um Oscar.

“É uma carreira instável”, murmura ele, que foi casado com Summer Phoenix até o ano passado e tem dois filhos. “Eu gostaria de estudar mais política, história e ciências. Eu sei como essa indústria funciona, conheço seus altos e baixos, então estou começando a pensar se existem outras coisas para fazer. Quero ver se tem algo mais para mim lá fora, talvez teatro ou voltar para a universida­de. Estou me sentindo velho.”

Ele diz que divide todas essas preocupaçõ­es com o irmão mais velho, como “qualquer parente faz”, e que também compartilh­a suas inseguranç­as com o amigo de infância, Matt Damon.

Foi assim, inclusive, que Casey ganhou o papel da sua vida, em “Manchester à Beira-Mar”. Damon iria dirigir e atuar, mas um conflito na agenda impossibil­itou seu envolvimen­to —o astro de “Bourne” permaneceu como produtor.

No filme, Casey Affleck vive um homem em eterna fuga que precisa encarar uma tragédia do seu passado ao retornar para sua cidade natal após a morte do irmão mais velho.

“Estou animado com a recepção, [o diretor] Kenneth deveria ser reconhecid­o como um tesouro nacional e espero que o sucesso do projeto o permita fazer tudo que deseja”, torce o ator. “Mas não li nenhuma crítica ainda.”

Gato escaldado, claro. Ao receber o prêmio de melhor ator do Círculo de Críticos de Nova York, ele leu várias resenhas em voz alta e disse: “A verdade é que não há nada tão horrível falado sobre mim que eu já não tenha falado para mim mesmo”.

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