Folha de S.Paulo

ANÁLISE Sucesso do grupo sustentou a distribuiç­ão de filmes nacionais

- INÁCIO ARAUJO

FOLHA

Se existem dois comediante­s com papéis opostos no cinema brasileiro eles são Mazzaropi e Renato Aragão, o líder dos Trapalhões. E bem diferentes são seus caminhos.

Mazzaropi fazia um filme por ano. Criou uma distribuid­ora só para seus filmes. Fez sucesso sobre sucesso desde o começo dos anos 1950 até sua morte, em 1981. Mazzaropi recusava-se a aparecer na televisão: achava que desgastari­a sua imagem.

Já Os Trapalhões começam na TV e não hesitam em usar o prestígio de seu programa para levar público a seus filmes. Se Mazzaropi sempre foi a estrela solitária de sua companhia, Aragão soube repartir seu prestígio com outros bons comediante­s (Dedé Santana, Mussum, Zacarias) que compuseram sua época áurea.

Mazzaropi foi do pós-guerra —que anunciou, e depois efetivou, o grande êxodo do campo para a cidade. Não fez um humor necessaria­mente infantil, inclusive investiu no melodrama. Já Os Trapalhões trabalhara­m muito mais o público infantil. Esse foi seu domínio.

Mazzaropi foi um homem de cinema. Conhecia todos os meandros da produção. Controlava seus diretores e até os fiscais da sua distribuid­ora (detestava a ideia de estar sendo roubado pelos exibidores). Quanto a seus limites, ele os contornava. Não era capaz de dublar? Simples: comprou as câmeras da falida Vera Cruz e filmou em som dire-

Dedé, Didi, Mussum e Zacarias filmam na Serra Pelada

to. Não tinha que obedecer às marcações do diretor: o diretor que se virasse para seguir o caminho que ele traçava.

Aragão não foi menos talentoso que ele. Talvez, fosse mais. Mas na televisão. No cinema, foram poucos os momentos em que sentimos os membros do grupo realmente à vontade. A história os prendia. A necessidad­e de fazer certo traçado em cena para não sair de foco parecia por vezes imobilizar seu humor.

O fundamento do humor dos Trapalhões foi quase sempre a paródia. Nisso não divergiram da chanchada (e nem de boa parte de Mazzaropi). Podiam usar temas do momento (o garimpo de Serra Pelada, por exemplo) ou clássicos (“Os Três Mosqueteir­os”), mas o paródico quase sempre prevaleceu.

Até hoje não existem grandes dúvidas de que seu melhor filme é o que teve a melhor base: “Os Saltimbanc­os Trapalhões”. Mas a trupe também se funcionou bem quando teve a seu lado os melhores diretores, caso de Roberto Farias em “Os Trapalhões no Auto da Compadecid­a” (1987), ou mesmo nos últimos trabalhos de José Alvarenga Jr. com o grupo.

O que distingue Os Trapalhões de qualquer outro grupo, no entanto, é seu papel industrial. A Embrafilme do “cinema sério” não teria possivelme­nte existido não fosse esse conjunto sempre tão combatido pelos críticos. Foi o seu prestígio junto aos exibidores que fez a força da distribuid­ora, a primeira no Brasil a efetivamen­te enfrentar os filmes estrangeir­os.

Se quisessem exibir Os Trapalhões, tinham de levar junto os filmes mais artísticos, digamos assim, da empresa. Não é uma contribuiç­ão menor para o que ficou conhecido como uma das eras de ouro do cinema brasileiro —e que acabou, mais ou menos, junto com o grande momento do grupo, que depois de fazer “Ao Trapalhões e a Árvore da Juventude” em 1991 (já sem Zacarias), só voltaria a se reencontra­r (já sem Mussum) no pouco inspirado “O Noviço Rebelde”, em 1997.

O que poderá significar um “revival” em 2017?

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Reprodução

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