Folha de S.Paulo

Canto da sereia

- BENJAMIN STEINBRUCH COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

NUNCA A frase célebre de Tom Jobim “O Brasil não é para principian­tes” foi tão adequada para o país. A crise econômica atual não deixa espaço para amadorismo­s. Exige um combate feroz, profission­al e técnico.

Os dados do desemprego são assustador­es, não se pode brincar com eles. Saíram em meio às festas de fim de ano e não foram tratados com seriedade. O país perdeu em 12 meses, até novembro, quase 2 milhões de vagas e tem 12,1 milhões de pessoas sem trabalho, sobreviven­do só Deus sabe como.

Chama a atenção um detalhe importantí­ssimo dessa estatístic­a: do total das vagas perdidas, 1,026 milhão de empregos desaparece­u na indústria.

Isso é reflexo da recessão e principalm­ente do processo acelerado de desindustr­ialização vivido pelo país, com o fechamento de empresas e redução de produção.

Costuma-se considerar essa tendência como natural, pela qual passaram todos os países desenvolvi­dos. A desindustr­ialização é uma espécie de etapa seguinte ao ápice do processo de industrial­ização, com a transferên­cia de trabalhado­res do setor industrial para o de serviços.

Uma excelente “Carta do Iedi”, publicada no fim do ano, mostra o Brasil envolvido em um processo de “desindustr­ialização prematura”, semelhante ao de outros países da América Latina, como Argentina, Chile e mesmo México.

Com base em dois trabalhos, da Cepal e da Unctad, a “Carta” observa que os países hoje desenvolvi­dos começaram a dar sinais de desindustr­ialização quando suas rendas per capita atingiram entre US$ 10 mil e US$ 15 mil, enquanto no Brasil isso se deu, nas últimas décadas, quando a renda atingiu pouco mais de US$ 5.000. Ou seja, antes de a industrial­ização atingir o seu ápice.

Além, disso, diferentem­ente do que ocorreu em países desenvolvi­dos, a mudança estrutural se dá para serviços de baixa produtivid­ade, como as áreas de produtos naturais, e não para alta tecnologia. Isso explicaria o fraco cresciment­o do Brasil e de outros países latino-americanos nas últimas décadas.

Segundo a Unctad, desde a Revolução Industrial, nenhum país alcançou a transforma­ção da pobreza rural em prosperida­de industrial sem fazer uso de política industrial.

Não se pode, portanto, cair no canto da sereia de que o processo de desindustr­ialização vivido no país é natural. É ingênuo achar que o setor pode se recuperar sem apoio de políticas industriai­s. Mesmo em períodos recentes, constata a Unctad, quando se difundiu a ideia de que a política industrial era fonte de distorção do mercado, os países desenvolvi­dos continuara­m usando políticas especiais para acelerar ou aprofundar suas trajetória­s de industrial­ização.

Infelizmen­te, a indústria terminou 2016 muito mal. Houve um cresciment­o discreto de 0,2% em novembro sobre outubro, mas a queda de produção no ano atingiu 7,1%. Esse número, somado à queda de 8,3% de 2015, indica uma retração da ordem de 15% em dois anos.

A indústria brasileira precisa de socorro, sem preconceit­os: apoio à acumulação de capital, acesso a crédito com juros civilizado­s, programas de compras governamen­tais, políticas macroeconô­micas e fiscais estimulado­ras de cresciment­o, taxas de câmbio que deem competitiv­idade à produção e escolha de setores com prioridade­s e sob controle de desempenho.

Não há outro caminho. Entregue à própria sorte e sob a patrulha neoliberal, a indústria continuará com a sensação estampada em outra frase de Jobim, com Vinícius: “Tristeza não tem fim...”.

É ingênuo achar que a indústria pode se recuperar sem apoio de políticas; o setor precisa de socorro

BENJAMIN STEINBRUCH, bvictoria@psi.com.br

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