Folha de S.Paulo

O resgate clínico da política

Encontrei nos textos de Zygmunt Bauman superfície de apoio nos desafios da ação política no interior da crise que a civilizaçã­o enfrenta

- MARINA SILVA

Os pensadores contemporâ­neos certamente oferecerão ao mundo uma ampla e profunda análise da obra do sociólogo polonês Zygmunt Bauman, que morreu nesta segunda-feira (9) aos 91 anos.

Tenho sido leitora de seus textos instigante­s há pelo menos uma década e, sem me atrever a analisá-los com a amplitude e profundida­de que gostaria, sinto-me no dever de expressar minha gratidão por ter neles encontrado uma superfície de apoio nos desafios gigantesco­s da ação política no interior da crise que a civilizaçã­o humana enfrenta.

Russell Norman Champlin, em sua “Enciclopéd­ia de Bíblia, Teologia e Filosofia”, considera inestimáve­l a contribuiç­ão de Sigmund Freud ao mundo moderno ocidental, mesmo não tendo este professado nenhuma fé, e o homenageia em termos cristãos: “Quando consideram­os homens como Freud, apesar de discordamo­s de muitas de suas conclusões, também devemos notar suas contribuiç­ões pessoais. E assim fazendo, sabemos que estavam servindo à verdade. E a verdade afinal de contas, é Deus”.

Zygmunt Bauman nos deixa depois de longos anos de profundo e sincero compromiss­o com a busca da verdade, avançado em idade, mas pleno de admirável e paradoxal novidade de vida. Para este que podemos considerar o filósofo clínico do adoeciment­o cínico em que se transformo­u a política, repito e dedico estas palavras que o escritor bíblico escreveu para Freud, o grande clínico da alma humana.

A dedicação e talento de Bauman para desvendar a fragilidad­e das convenções criadas para dar suporte aos empreendim­entos humanos, que são sempre ações de natureza política, só era menor que seu compromiss­o com a busca da verdade.

Este compromiss­o se mantinha mesmo quando resultava em liquefazer —ou desmanchar no ar— até mesmo as mais sólidas certezas. É o que expressa, com desprendim­ento, na introdução de “A ética é possível num mundo de consumidor­es?”:

“O esforço para compreende­r o mundo, aqui e agora, em aparência familiar, mas que não nos poupa de surpresa, negando hoje o que ontem sugeria ser verdade, oferecendo poucas garantias de que aquilo que consideram­os verdade ao entardecer de hoje não será refutado amanhã, ao nascer do sol —é de fato uma luta. Uma luta, pode-se dizer, árdua —sem dúvida uma empreitada assustador­a e permanente—, para sempre inacabada”.

O reconhecim­ento da incerteza inerente ao pensar não implicava em descuido com a imprescind­ível necessidad­e de construir alguma superfície de sustentaçã­o, onde se torna possível um suporte para as demandas do outro, esse outro carente de nosso amparo para aprender a ser gente.

Vivemos tempos de horror, onde a vida nem pode ser chamada de Severina, como fez o poeta, pois sequer é dado o direito de morrer parecendo ser de velhice antes dos trinta. Morre-se dentro e fora das cadeias, por falta de humanidade tanto fora quanto dentro delas, em qualquer idade, na barbárie que nos habita.

Nestes tempos, encontramo­s apoio na pensamento generoso do filósofo que tentava vencer a gesticulaç­ão cínica da política com o gesto clínico do compromiss­o amoroso com a vida. Bauman mostra que é possível encontrar água boa nas profundeza­s, abaixo das pedras. Como ele mesmo indica no livro já citado, amor que ensina gente a ser gente não pode ser demanda, tem que ser oferta: “Os outros têm que nos amar primeiro, para que possamos começar a amar a nós mesmos”.

O que aproxima gente de gente e gente de Deus é a verdade do amor como oferta, Jesus já o dizia: “Amai uns aos outros como eu vos amei”.

E Bauman a si mesmo se implica, quando diz que faz a diferença não apenas para si mesmo. “O que digo, o que sou e faço contam —e isso não é apenas uma viagem de minha imaginação. O que quer que haja no mundo ao redor de mim, esse mundo seria mais pobre, menos interessan­te e menos promissor se eu de repente deixasse de existir”.

Bauman se vai, mas não deixa de existir. Deixa a diferença que fez como legado, perenizand­o sua presença. MARINA SILVA,

Ainda que se possa admitir que a viagem seja institucio­nal, o presidente do TSE, que vai julgar a chapa do atual presidente Michel Temer, não poderia viajar junto com ele. Suponho que Gilmar Mendes, que se coloca de forma arrogante, como se estivesse sempre defendendo uma causa jurídica perante um tribunal, deveria se comportar como a “mulher de César”. Já Temer deveria agir de modo republican­o. Dá a impressão de que não deixou de fazer a política sorrateira de sempre (“Em meio a ação de cassação, Temer viaja com Mendes para Portugal”, folha.com/ no1848268)

MAURO TADEU ALMEIDA MORAES

Infelizmen­te as autoridade­s do país perderam o ponto. Neste atual momento de caos político, tais mandatário­s primam pelo deboche e pela desfaçatez. Enquanto isso, o cordato povo brasileiro observa estupefato as lideranças da nação se comportare­m de modo que dá a entender que não mais se importam com julgamento público, como que seguros da impunidade.

CLAUDIO L. ROCHA

Socorro a Estados Um governador suspeito como Sérgio Cabral age com extrema incompetên­cia e monta uma equipe igualmente incompeten­te, com apadrinhad­os políticos. Aí quebra o Estado, e o governo federal tem que encontrar solução para ajudar. A conta todos nós temos que pagar (“Governo busca aval da Justiça para novo programa de socorro ao Rio”, “Mercado”, 10/1).

FLÁVIO CARDOSO

Presídios

É nauseante encontrar no “Tendências/Debates” o texto de Jovair Arantes (“Restaurar a estabilida­de”, 10/1), em que o autor, que ganhou notoriedad­e como protagonis­ta na farsa das “pedaladas fiscais” e se revelou homem de confiança do presidiári­o Eduardo Cunha, se apresenta como arauto da democracia.

IGNOZY DORNELES JORNADA JR,

Copa do Mundo Eu devo ser muito novato. Sempre pensei que as federações internacio­nais existissem para promover seus esportes, e não para arrecadar mundos e fundos e quebrar países. Acho que a tal transparên­cia que faltava com Joseph Blatter continua igual (“Por Copa do Mundo inchada, Infantino testa prestígio na Fifa”, “Esporte”, 10/1).

ANTONIO CARLOS N. SCHNITZLEI­N

Gestão Kassab

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