Folha de S.Paulo

Dentro da caixa

- ALEXANDRE SCHWARTSMA­N COLUNISTAS DA SEMANA segunda: Marcia Dessen; terça: Benjamin Steinbruch; quarta: Alexandre Schwartsma­n; quinta: Laura Carvalho; sexta: Pedro Luiz Passos; sábado: Ronaldo Caiado; domingo: Samuel Pessôa

A minúscula inserção do país no fluxo de comércio internacio­nal não aconteceu por azar

TEMPOS ATRÁS, levantei a hipótese de que a equipe responsáve­l pela (agora órfã) Nova Matriz Econômica fora vacinada contra a realidade. Neste fim de semana, ao ler a coluna de Clóvis Rossi, me convenci de que a vacina existe e está sendo aplicada em larga escala.

Rossi está maravilhad­o com as iniciativa­s de Donald Trump no campo econômico, em particular as de caráter protecioni­sta, já que estas poderiam se traduzir em aumento de emprego. Em que pese um mea-culpa meio fajuto (“confesso que já fui favorável a esse tipo de medida”), no final da coluna Rossi deixa claro que acredita nessa solução e exorta um político (ou mesmo um “outsider”) a “fugir da corrente majoritári­a”, já que “o tamanho da crise brasileira pede ousadia e pensar fora da caixa” (anglicismo­s à parte).

Talvez seja o efeito da vacina, mas essa foi exatamente a política seguida durante o governo Dilma (e parte do governo Lula). Não faltaram iniciativa­s protecioni­stas, como requisitos de conteúdo nacional nas compras da Petrobras, ou imposição de tarifas sobre automóveis importados, ou ainda a nova tentativa (a terceira) de relançar no país a indústria naval.

Segundo relatório da OMC, publicado ao final de 2015, o Brasil havia adotado uma medida protecioni­sta a cada 17 dias em média desde a eclosão da crise financeira de 2008.

Não foi, obviamente, apenas essa faceta da política econômica que nos lançou na atual crise (o descontrol­e fiscal, também cria da Nova Matriz, fez esse serviço com muita eficiência), mas não restam dúvidas de que: a) o protecioni­smo foi testado (e não pela primeira vez, diga-se de passagem); e b) falhou miseravelm­ente, como pungenteme­nte iluminado pelos casos da Sete Brasil e da própria Petrobras.

Isso não deveria ser uma surpresa. Ainda que proteção possa aumentar (ou preservar) o emprego em uma dada atividade, há efeitos secundário­s que tipicament­e reduzem o bem-estar para a economia como um todo, seja por meio de custos mais altos, seja porque recursos fiscais (que poderiam ser mais bem utilizados para outros fins) acabam sendo direcionad­os para setores pouco eficientes. Não bastasse isso, a repugnânci­a nacional à avaliação de políticas públicas acaba por colaborar com a manutenção de programas que deveriam ter sido eliminados décadas atrás (alguém já ouviu falar da Zona Franca de Manaus, ou a vacina antirreali­dade atingiu a perfeição?).

Não se trata, como Rossi escreveu, dos riscos (sic) de “cair numa Venezuela”, mas da certeza que vem do conhecimen­to da história econômica recente (e não tão recente) do Brasil. Em que pesem tentativas de abrir a economia à competição externa, é fato que permanecem­os como um dos países mais fechados ao comércio internacio­nal do mundo, mesmo levando em conta nossa dimensão continenta­l. Já vimos o filme, a reprise, a refilmagem e a série de TV: em todas elas morremos no final.

Não faltou quem pensasse “fora da caixa”. A minúscula inserção do país no fluxo de comércio internacio­nal não aconteceu por azar. Também não foi por acaso que a participaç­ão do governo na economia brasileira foge de todos os parâmetros e nos força agora a medidas desesperad­as para conter o gasto público.

Um dia irão descobrir que ser ousado no Brasil é pensar “dentro da caixa”. ALEXANDRE SCHWARTSMA­N,

www.schwartsma­n.com.br

@alexschwar­tsman aschwartsm­an@gmail.com

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