Folha de S.Paulo

Corujão de Doria é paliativo e não resolve questões cruciais da saúde

Falhas na atenção primária e falta de integração entre unidades são os principais problemas

- CLÁUDIA COLLUCCI ANGELA PINHO

O programa Corujão da Saúde começou nesta terça (10) em quatro hospitais de São Paulo e já enfrenta entraves. O primeiro é que várias pessoas que estão na fila de espera de exames não são encontrada­s pelas equipes.

Existe também o temor de que haja altas taxas de absenteísm­o, o que já ocorre em algumas unidades públicas.

Outra questão é que os pacientes que realizarem seus exames agora não terão o problema de saúde resolvido de imediato em razão da falta de especialis­tas e de vagas para a realização de cirurgias.

A gestão do prefeito João Doria (PSDB) planeja uma nova etapa do Corujão com a meta de acelerar a realização de consultas e cirurgias.

A questão é que o Corujão é uma medida paliativa, resolve temporaria­mente as queixas de um grupo de pessoas (e isso é bom), mas não ataca os problemas cruciais que geram as filas de espera, como falhas na atenção básica de saúde e falta de integração e hierarquiz­ação entre as unidades assistenci­ais.

Em seu programa de governo, Doria promete, por exemplo, “reforçar o atendiment­o primário à saúde pelo preenchime­nto das vagas existentes nas equipes do Programa de Saúde da Família e das Unidades Básicas de Saúde, requalific­ando e valorizand­o os profission­ais”. Mas ainda não disse como e quando isso vai acontecer.

Hoje o paciente fica perdido dentro de um labirinto de unidades de saúde munici- pais e estaduais, administra­das por várias organizaçõ­es sociais (OSs) que, muitas vezes, não conversam entre si.

A confusão é tão grande que mesmo essa fila de quase 500 mil pedidos de exames que o Corujão pretende zerar em 90 dias é questionad­a por alguns especialis­tas. É muito comum as pessoas se inscrevere­m em vários serviços de saúde e, quando conseguem uma vaga num lugar, o nome continua no outro.

Uma das promessas de Doria é a integração dos sistemas municipais e estaduais de saúde, mas a proposta ainda não foi detalhada.

A falta dessa integração gera bizarrices como a fila de 500 mil pessoas à espera de exames na rede municipal, enquanto existem AMEs (Ambulatóri­os Médicos de Especialid­ades), ligados ao governo estadual, com taxas de absenteísm­o de 30%.

Até agora, as únicas integraçõe­s anunciadas pela gestão municipal foram dos números de emergência 190, 192 e 193 (haverá apenas um número na cidade) e do empréstimo de quatro carretas de um programa estadual para ajudar a reduzir a fila de exames.

Para especialis­tas, as carretas são uma reinvenção dos mutirões e, portanto, mais um paliativo. Fica muito mais barato oferecer esses serviços em unidades fixas, de modo a incluir esses pacientes no sistema para serem cuidados de forma contínua.

Um exemplo citado é o caso dos mutirões de oftalmolog­ia. O paciente faz exame, recebe tratamento, mas, se o problema foi causado por diabetes, precisará ser acompanhad­o na atenção primária para manter a doença sob controle. Do contrário, pode ficar cego, sofrer amputações, além de outros danos.

Se a cidade perseguir uma atenção primária que funcione de fato, com a ampliação e qualificaç­ão das equipes de saúde da família, por exemplo, a demanda por especialis­tas, exames e internaçõe­s tende a ser menor. Até 80% das queixas podem ser resolvidas na atenção básica, caso ela seja mais resolutiva.

Por que então a atenção primária não foi eleita como prioridade? Talvez porque não dá visibilida­de. É como falar em investir em saneamento básico para combater o mosquito Aedes aegypti.

A boa notícia é que Doria está cercado de bons técnicos e há tempo de sobra para a equipe realizar as mudanças que o sistema necessita.

DE SÃO PAULO

Com a promessa de acabar até abril com uma fila de quase meio milhão de pessoas, teve início nesta terça (10) o Corujão da Saúde, programa da gestão João Doria (PSDB) para acelerar a realização de exames em São Paulo.

A estreia teve pacientes que chegaram mais cedo para conseguir voltar de transporte público e outros que fizeram o exame em horário normal, pois nem todas as unidades estenderam o período de funcioname­nto. Atualmente, 485 mil pessoas esperam há pelo menos 30 dias por algum procedimen­to.

Ainda não está definido o número exato de pessoas que farão exames pelo programa, pois as 73 mil que aguardam há mais de seis meses serão avaliadas novamente.

A prefeitura espera fazer os procedimen­tos com parcerias com clínicas privadas e filantrópi­cas. Por ora, oito aderiram, segundo o secretário da Saúde Wilson Pollara. O Hospital Alemão Oswaldo Cruz é o que fará o maior número de exames.

José Benedito Aguiar, 68, chegou mais de uma hora antes para a tomografia, marcada para as 23h na unidade principal do hospital, no Paraíso. Ele queria garantir a volta de metrô, para não ter que pagar um táxi.

Doria afirmou que a prefeitura estuda criar linhas para atender ao Corujão, mas ainda não há definição.

Aguiar ainda espera um ultrassom abdominal, segundo ele marcado em novembro 2014. Mas, assim como os outros pacientes há mais de seis meses na fila, ele terá de ir a nova consulta para revalidar o pedido de exame. “É um absurdo”, reclamou.

Já a aposentada Joana Rocha Felipe, 64, conseguiu fazer o exame no pulmão que esperava há mais de um ano, após o ter o pedido renovado.

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Adriano Vizoni/Folhapress A aposentada Joana Rocha Felipe, 64, atendida após um ano na fila por uma tomografia

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