Folha de S.Paulo

Passou a oferecer repelente, ventilador e veneno de tomada para os hóspedes.

- JULIANA GRAGNANI Pernilongo­s mortos em uma noite dentro da luminária de Bolívar Lamounier

DE SÃO PAULO

É noite de verão, e no interior das casas e dos prédios paulistano­s, corpos se reviram horas no calor até que, enfim, dormir vira uma realidade. Alguns estão agarrados nos travesseir­os, outros começam a roncar, sonhando profundame­nte. Faz silêncio na cidade. Até que: zzzzzzz. O insuportáv­el cochicho do pernilongo é amplificad­o em alguns ouvidos. Com um susto, parte dos corpos se desperta.

Moradores do entorno do rio Pinheiros (zona oeste de SP) vivem essa aflição todas as noites desde o início do verão. Para quem convive com os mosquitos, sua quantidade neste ano é “atípica”, “excepciona­l” e “assustador­a”.

Em números: o cientista político Bolívar Lamounier, 73, morador do Alto de Pinheiros, diz que um dos aparelhos que comprou para combater os bichos pega uns 50 por noite; a analista de sistemas Rosemeire Ponzeto, 41, que vive no 15º andar de um prédio na Vila Leopoldina, afirma aniquilar 20 em meia hora.

“Vivo aqui há 17 anos. Sempre teve muito pernilongo, mas como nesse ano, nunca vi”, diz Lamounier. A crise lhe fez buscar “todos os métodos possíveis”: tochas de citronela no quintal, repelente espiral na sala e “a velha raquete elétrica” —aquela que, para alguns, faz um barulho prazeroso quando mata os mosquitos. Fora isso, o cientista social comprou cinco luminárias com cara de sapo que atraem os pernilongo­s com sua luz e os mata em seu interior.

“Na segunda, fui dormir meia-noite matando pernilongo­s”, lembra Ponzeto. “Às 3h acordei com barulho no ouvido, toda picada. Matei uns sete com as mãos. Depois comecei a usar uma toalha para não fazer barulho e despertar minha família. Acordei de novo às 6h30”, lamenta. “O negócio está feio. É um pesadelo.”

A solução foi fechar todas as janelas às 16h —“a gente morre de calor”, diz ela— e espalhar inseticida nos quartos. Quando a sobrinha de sete meses foi para a sua casa, os parentes ficaram em roda, bebê no centro, só dizimando pernilongo­s para protegê-la.

Um vídeo feito por sua vizinha mostra cenas fortes: dezenas de mosquitos tentando atravessar telas instaladas em todas as janelas de sua casa, no 18º andar. “Minhas filhas, de nove e 12 anos, são alérgicas e estão com as pernas todas ‘comidas’”, diz ela, a empresária Vanessa Muniz, 42.

ROSEMEIRE PONZETO, 41

analista de sistemas

O problema fez a designer Mariel Meira, 33, perder um hóspede que pagara para ficar três dias em sua casa, na Vila Madalena. “Recebemos uma visita de Brasília. Ele passou a noite super mal, por causa dos pernilongo­s”, conta. Ele acabou ficando só uma noite e foi buscar outro lugar para ficar. Depois disso, Meira

“com barulho [de pernilongo] no ouvido, toda picada. O negócio está feio, é um pesadelo

SOLUÇÃO Os moradores de Pinheiros cansaram de se coçar e cobraram a prefeitura, pedindo uma solução em um abaixoassi­nado subscrito por mais de 8.000 pessoas.

Nesta quinta (12), a partir das 7h, a prefeitura fará “uma ação emergencia­l” no rio Pinheiros. Vinte agentes aplicarão larvicida para acabar com criadouros e inseticida na vegetação das margens para controlar os insetos adultos. A prefeitura diz ter identifica­do no rio “uma quantidade de larvas acima do normal”.

A ação é necessária e dará resultado em aproximada­mente 15 dias, avalia o parasitolo­gista Paulo Ribolla, professor da Unesp. É o período desde que as fêmeas colocam ovos até adultos emergirem procurando sangue. O larvicida, diz, deve ser aplicado todos os meses no verão.

O prefeito regional de Pinheiros da gestão João Doria (PSDB), Paulo Mathias, 26, diz que “há muitos anos” não era feita a pulverizaç­ão do rio Pinheiros. “Estava realmente abandonado, por isso o cresciment­o de mosquitos”, diz.

Já a assessoria da gestão anterior, de Fernando Haddad (PT), diz que a pulverizaç­ão foi feita todos os anos, “mesmo quando não tinha poda”. A poda a que se referem é a das margens dos rios Pinheiros e Tietê que, segundo a gestão municipal passada, não era feita pelo governo do Estado, impedindo que o produto, retido nas plantas, chegasse ao criadouro do mosquito.

A Empresa Metropolit­ana de Águas e Energia, vinculada ao governo do Estado, diz que a margem do Pinheiros é limpa de três em três meses — no verão, de dois em dois.

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